Ao pensarmos em relacionamentos amorosos, geralmente, nos vem a mente duas pessoas que se gostam, se amam. Pensamos naqueles casais tradicionais, como retratado na grande maioria dos filmes, novelas, livros, músicas. Os filmes românticos contam as histórias de duas pessoas que se apaixonam e passam a compor uma relação que pode envolver uma série de elementos – carinho, cuidado, mas também conflito e sentimento de posse. A própria noção de felicidade parece estar relacionada a ideia de amar outra pessoa. Em suma, as ideias de relacionamento, de amor e de romance estão estreitamente ligadas a ideia de monogamia.

Aprendemos que um relacionamento seria, por natureza, monogâmico. A metade da laranja, a tampa da panela, ‘cara-metade’ e outras metáforas dualistas são utilizadas para representar encontros entre duas pessoas que se completariam mutuamente. A ideia de encontrar a sua ‘alma gêmea’ faz com que muitas pessoas se envolvam em relações até mesmo abusivas, pois se nutrem de expectativas irreais, em que as pessoas idealizam e projetam na/o parceira/o as características que consideram ser as melhores.

Vivemos tempos em que muitas das concepções mais tradicionais de amor, de sexualidade, de comportamento, passam por problematizações.  A perspectiva de monogamia, sustentada por certa ideia histórica de amor romântico, é uma delas. Há duas questões centrais que desafiam essas perspectivas. Primeiro, a ideia de que para ser feliz e viver plenamente, é preciso estar num relacionamento amoroso. Como se tal relação fosse o caminho para uma vida de felicidade e plenitude. Isso faz com que muitas pessoas se sintam infelizes e sofram – ou porque não encontram sua ‘cara-metade’ ou porque se mantêm num relacionamento desgastado, às vezes abusivo, envolvendo dependência emocional ou econômica, por exemplo. A segunda ideia é a de que somente haveria possibilidade de relação entre duas pessoas – o princípio básico da monogamia: uma pessoa viveria para a outra, uma completaria a outra. Gostaria de me deter mais nessa segunda ideia.

Tem se tornado popular o termo ‘poliamor’ ou ‘relacionamento poliamoroso’ para se referir a um conjunto de possibilidades de relações amorosas e sexuais que extrapolam os princípios da monogamia. Uma rápida busca no Google® nos apresenta várias definições e traz reportagens em que pessoas envolvidas em relações não-monogâmicas contam suas experiências. As redes sociais, em especial o Facebook® e o Instagram®, nos apresentam vários perfis e páginas em que essas relações são o mote. Na maioria dos casos mencionados, as relações se dão entre três pessoas. Algumas questões que eu encontrei nessa pesquisa merecem destaque.

O que primeiro chamou a minha atenção é o caráter de novidade que essas relações expressam e as incompreensões que isso gera. As falas das pessoas e as descrições das páginas e perfis mencionam esse fato e falam do apoio que nem sempre recebem de suas famílias, amigos/as e outras pessoas do convívio social. A ideia central é que há pouco entendimento sobre esse tipo de relação, sendo interpretadas como ‘libertinagem’, ‘safadeza’, apelando unicamente para o cunho sexual dessas relações. Assim, os trisais – como são definidas as relações entre três pessoas – usam seus perfis em redes sociais para mostrar que tal relação se aproxima muito do modelo tradicional, no sentido de que são três pessoas que têm um cotidiano doméstico, de trabalho, de estudo, que fazem coisas que todas as demais pessoas fazem, que se divertem, cozinham, têm animais de estimação, entre tantos outros rituais e comportamentos considerados ‘comuns’. A ‘única’ diferença é que se trataria de uma relação entre três pessoas.

A ideia de romper ou expandir a monogamia aciona em muitas pessoas os fantasmas que aterrorizam aquilo que se constituem as tradições mais valorizadas em várias sociedades – matrimônio, família, amor, sexo. O medo de que tais tradições não mais existam assusta e pode provocar repulsa. Nesse caso, o medo aumenta, pois envolve um componente tabu – o sexo. Imaginar que três pessoas se relacionam é imaginar o sexo, e isso é perigoso. Não que isso seja novidade, pelo contrário. Como prática sexual, o ménage a trois existe há tempos; como prática social, relações entre três pessoas também sempre existiram, no entanto, mais frequentemente, de forma não consentida e ou até mesmo autorizada socialmente, no caso dos homens heterossexuais e suas amantes, por exemplo.

O componente de novidade das relações poliamorosas é, justamente, a possibilidade de que essas relações sejam vividas de forma honesta e consentida. Como numa relação monogâmica, no poliamor também deve haver uma ética, que implica em negociar os termos da relação. Quais são os limites? O que é aceitável e o que não é permitido? Do que se deve abrir mão? A relação será aberta? Os parceiros e parceiras poderão ter relações paralelas – duradouras ou não? Ou será uma relação fechada? De um modo ou de outro, sempre tem que haver acordos.

Assim, não se trata de eleger um novo modelo ou de dizer que os relacionamentos monogâmicos, entre duas pessoas, são ultrapassados ou mais repressivos. Estamos falando de relações entre pessoas, que não nascem se relacionando, mas aprendem. Carregamos para as nossas relações sociais o que aprendemos sobre amor e liberdade. Sendo assim, envolve as crenças, as atitudes, os valores e até mesmo o caráter das pessoas envolvidas. O convite é para pensar de forma crítica e ao mesmo plural. Esse é o nosso desafio, rumo a um mundo menos normativo.

Foto: Travis Chantar