O adultério, popularmente conhecido como “traição” ou “infidelidade”, é um conhecido destruidor de relacionamentos! O desejo por um terceiro, que não o nosso parceiro romântico, é um grave erro que assombra a vida dos casais desde muito antes de que a Bíblia nos dissesse para “não cobiçar a mulher do próximo”.
Os próprios mitos da Grécia Clássica mais famosos começam de forma um pouco semelhante: o rei dos céus e soberano dos outros deuses, Zeus, concebe um filho fora do casamento, acarretando a sangrenta vingança de sua esposa, Hera, sobre suas amantes e proles. O poderoso Héracles — ou “Hércules” para os romanos — era um dos frutos dessas traições.
Conturbado é o casamento sagrado do rei e da rainha dos céus. Aliás, muitos deuses que dividiam os grandes salões do Olimpo com eles, nasceram sob o véu do adultério de Zeus. Dionísio, deus do vinho, da loucura e da orgia, foi concebido pela mortal Sêmele; Hermes, mensageiro dos deuses, pela ninfa Maia; os gêmeos Ártemis e Apolo eram filhos da deusa Leto e mesmo sua irmã mais velha, Deméter, fora amante do Grande Rei e Perséfone foi fruto dessa união.
Embora as orgias ritualísticas fossem parte da religiosidade grega antiga — a própria origem da palavra “orgia”, como sexo grupal, refere-se aos antigos “bacanais” ou “carnaválias”, em que sacerdotisas do deus Dionísio uniam-se em transe nas florestas em honra ao deus — o adultério não era bem visto na vida cívica.
A violenta ira de Hera, a própria deusa do matrimônio, sobre os bastardos e amantes de seu marido, revela bastante sobre como aquela cultura — e, consequentemente, a civilização que irá se desenvolver à partir dela — vivenciava a infidelidade. Suas tentativas (muitas vezes bem sucedidas) de queimar, enforcar, apedrejar e aprisionar as mulheres com quem Zeus se deitava, são reflexos psíquicos e emocionais de uma sociedade que realmente deseja matar as amantes, não os maridos infiéis.
É importante compreender as virtudes que nos moldam e constroem como partes vivas de uma cultura: existem, são válidas, mas não são naturais, nem absolutas. A fúria que o adultério evoca — uma fúria sempre direcionada ao gênero feminino, seja em forma da “amante” ou da “esposa infiel” — é ocidental, vide os exemplos mais remotos das narrativas gregas ou bíblicas.
Houveram povos flexíveis, por exemplo, com a poligamia ou com o amor “extra-conjugal”. O casamento divino dos nórdicos Odin, o “Pai de Todos”, e Frigg, deusa da fertilidade, é um exemplo. A rainha dos Aesir — os deuses de Asgard —, na mitologia escandinava, costumava deitar-se com os irmãos de seu marido quando este ia para a batalha. Sem vinganças sangrentas ou fúrias fenomenais, Odin e Frigg são conhecidos por sua união respeitosa e profundamente amorosa, embora, para nós, cujo adultério é tabu e grave pecado, haja “algo de errado no Paraíso”.
Pecado ou virtude, qualquer aspecto de um relacionamento é bom, desde que haja concordância entre aqueles que se amam. Os relacionamentos abertos estão emergindo no século XXI e trazendo aspectos mais liberais no campo sexual da cultura grega antiga. Se os amantes preferem uma abertura como a de Odin e Frigg ou a exclusividade de Zeus e Hera, fica a critério de cada um. Mas sejamos mais flexíveis para não incinerar ou apedrejar as “mulheres de Zeus”, pois elas não quebraram contrato algum.
Importante abordagem e conversa, mesmo que ainda forte tabu, necessita ser feita.
Com todo respeito, fiquei amarradão na deusa Morgana. Sua escrita me tirou um peso da consciência.