O verão, enfim, se despediu! Em momentos como esse, os amantes da cultura greco-latina relembram com alguma poesia que é tempo de Perséfone deixar a mãe Deméter, deusa da terra cultivada, e descer ao Hades para estar com seu marido, rei homônimo do mundo dos mortos. É esse movimento de idas e vindas da própria filha, que faz Deméter congelar e secar a terra durante outono e inverno, mas a preenche de vida e calor quando é verão e primavera.

É um célebre mito que explica as estações do ano. Contudo, não é o único que existia na Antiga Grécia. Os períodos de seca, frio, calor e fertilidade sempre acompanham as histórias dos deuses da vegetação e suas respectivas mortes e ressurreições, amores e raptos. Existe uma narrativa que também cita Perséfone, junto de um triângulo amoroso envolvendo a deusa Afrodite.

O mito começa com um incesto. A princesa Mirra, filho de um rei de Chipre (tomando como base as “Metamorfoses”, de Ovídio) apaixona-se pelo pai e tem com ele diversas noites de cópula, sem que o mesmo a visse. Quando o rei deseja ver a jovem que ama e seu ventre cheio com uma recente gestação, descobre que trata-se da própria filha. Envergonhada, ela foge e é transformada pelos deuses em uma árvore (a mirra).

Algum tempo depois, um bebê sai de seu tronco. É Adônis, dotado de uma beleza tão sublime que chamou atenção da divina padroeira de sua cidade: Afrodite. A deusa buscou o recém-nascido e o entregou a Perséfone para criá-lo. O menino cresce e torna-se mais bonito do que a infância prometia. As duas deusas, apaixonadas, disputam por seu amor.

Zeus, ciente do problema, intervém na querela e dá a Adônis o direito de passar um terço do ano com cada uma delas e a outra parte vivendo como desejar. Encantado com a deusa do amor como qualquer apaixonado, o jovem caçador decide passar mais tempo com Afrodite, causando fúria tanto em Perséfone, quanto no deus da guerra Ares, amante da deusa favorita.

Adônis é tragicamente morto por um javali selvagem que caçava. A besta foi enviada por Ares, enciumado e vingativo, enquanto o jovem estava na companhia de Afrodite. A deusa viu o amante sangrar em seus braços até morrer, mas fez o líquido vermelho que escorria do cadáver transformar-se em anêmonas. Este é um dos diversos símbolos do mito que mostra como a vida sempre retorna depois da morte. Assim como há de nascer flores por debaixo de toda a neve do inverno.

O mito trágico de amor e morte entre Adônis e as duas deusas é repleto de significado. Em primeiro lugar, as duas representam a dualidade por si só. Perséfone, rainha do Mundo Inferior, um lugar sombrio para onde vai tudo o que perece; Afrodite, senhora do amor sexual, de tudo o que vibra e goza sobre a terra, responsável pela fertilidade nos animais e nos homens. Uma presa à outra, por mais que tenhamos predileção a Afrodite.

Adônis, identificado por alguns especialistas como um antigo deus da vegetação, caminha entre o viver e o perecer como tudo que brota neste mundo – incluindo nós! Os ciclos naturais da terra e do útero, o inverno e a primavera, são as mensagens de Criação  que o amor tem a nos dar. Tudo morre e nasce graças a ele.

Contudo, não se preocupem. O verão irá voltar mais uma vez!