Muito se conhece sobre Teseu, o valente herói que derrotou o Minotauro. Não conhecemos quase nada sobre Ariadne, aquela que guiou o rapaz pelo labirinto e deu-lhe as armas para lutar. Filha do rei Minos, de Creta, a donzela está na lista de mulheres injustiçadas pela narrativa clássica. Mas, não se preocupem. Exceção dentre inúmeras histórias gregas, Ariadne tem um final feliz.

Em função de um velho acordo, a ilha de Creta exigia seis rapazes e seis donzelas da cidade de Atenas como oferenda para o Minotauro. O monstro com corpo de homem e cabeça de touro vivia embaixo do palácio cretense e só comia carne humana. Para provar o seu valor e salvar os seus, Teseu, filho do rei Egeu, misturou-se aos jovens atenienses que seriam enviados em sacrifício.

O Minotauro ― “touro de Minos” ― era filho da rainha de Creta, Pasífae. Ela, enlouquecida por uma maldição de Poseidon, amou um touro branco que Minos há muito prometera em sacrifício ao deus do mar, mas não cumpriu com a promessa. O monstro é uma das maiores vergonhas do reino, mas não pode ser morto pelo rei, por mais que este o despreze. Derramar o sangue de um membro do próprio clã era crime horrendo na Grécia Antiga.

Teseu mal havia passado pelas muralhas da cidade, quando foi avistado pela princesa Ariadne. A filha mais nova de Minos era muito conhecida por sua inteligência e altruísmo. Arrebatada por uma paixão intensa pelo príncipe de Atenas, ela pediu ajuda a seu tutor, o inventor mais brilhante de toda a Grécia: Dédalo, arquiteto do próprio labirinto.

O labirinto era traiçoeiro, pois todos os caminhos levavam ao Minotauro. Era preciso armar o herói e também garantir que ele pudesse encontrar seu caminho de volta. Assim surge a expressão “fio de Ariadne”. Ela segurava o novelo na entrada da prisão, enquanto Teseu o desenrolava a medida que avançava. Ariadne trouxe a espada e o escudo que o protegeram contra a besta. Teseu foi vitorioso. A jovem só pediu uma coisa em troca da ajuda: ser levada em casamento para longe dali.

Vitoriosos, os dois fugiram madrugada adentro para as naus atenienses. No caminho, Teseu precisou parar em uma ilhota para abastecer o navio. Ali, sobre a areia fresca, Ariadne teve sua primeira noite de amor. Contudo, ao raiar de um novo dia, ela se viu sozinha. O navio, apenas uma silhueta no horizonte.

Chorou por dias, sem comer ou dormir. Inconsolável. Um deus, no entanto, a observava. O deus mais presente que havia. Senhor de todos os excessos, da loucura, do furor, do êxtase, mas também da alegria e do riso. Aquele que devolve à humanidade seu estado de selvageria primitivo, que domina as orgias e a embriaguez. Deus do vinho, da metamorfose e do teatro. O errante e inconstante Dioniso.

Ele apaixonou-se por Ariadne e convidou-a para o Olimpo, onde a princesa viveu como sua fiel e única esposa. O fato é curioso nas narrativas clássicas. Nessas, as esposas divinas sempre são conquistadas através da violência sexual ou do rapto. Os deuses procuram a companhia extraconjugal de mortais e ninfas. Não foi assim com Dioniso e Ariadne.

Mais incomum ainda: o deus do êxtase ― seja de natureza religiosa ou sexual ―, da orgia e do vinho, desejou a partir daquele instante uma única mulher por companheira. E ela, sem sequestro ou barganha, o desejou em igual medida. A constelação de sua coroa brilha até hoje no céu noturno, mostrando-nos que há esperança.


Teseu e Ariadne à entrada do labirinto. Pintura de Richard Westall, 1810.