Podemos dizer que Paulinho, ou simplesmente Moska, é uma grande mistura de experiências. Quando novo, colecionava coisas dos mais diversos tipos e sem relação umas com as outras. Era uma colcha de retalhos: experimentos, cores, belezas e informações. Hoje é literalmente um homem caleidoscópio, com mistura infinita de imagens, formatos, cores e sons diferentes e em constante movimento, trazidos na bagagem de um eterno viajante apaixonado.

E, nesse roteiro de vida, o amor é seu personagem principal, fonte de estudo, investigação e experimentações. Esse romance intitulado Moska tem o amor como a matéria-prima e o ar que respira.

Transmuta e metaboliza neste sentimento de forma visceral, inspiração de canções que fazem parte da trilha sonora de muitas pessoas que sentem, já sentiram ou sentirão todas as nuances de amar e terminar uma relação, meticulosamente gravadas na sua poesia, em momentos alegres e tristes, para o despertar do que a letra está dizendo.

Ávido por novidades, com uma natureza inquieta, Moska voa em nova aventura para lapidar seu conhecimento. Aqui ele também fala da série de tv que está gravando, Tu Casa es Mi Casa, um projeto que é fruto da sua generosidade em aprender coisas importantes que possam despertar em mais pessoas a busca do conhecimento e da verdade.

Esse Moska amável nos deixou seu rastro de alegria e, como ele mesmo deseja, permitiu a Vênus Digital compartilhar desse amor para potencializá-lo.
Vênus Digital – A maior parte das suas composições fala de amor. A principal inspiração para criar vem deste sentimento?
Moska – Amor é muito mais do que um sentimento. O amor é a matéria-prima da vida. Enquanto houver amor, haverá esperança. Não podemos nunca deixar de falar de amor, de espalhar o amor. O amor deve estar na frente dos nossos olhos sempre que eles estiverem abertos. E também quando eles estiverem fechados. Até quando a palavra “amor” não aparece em alguma letra que escrevo, essa canção será sempre uma canção de amor. Eu chamo de “amor” o ar que respiro. Quando leio sobre Ciência, quando vou ao cinema, quando abraço meus filhos, quando caminho pela rua, quando é noite e eu não durmo, quando faz sol e eu não saio, quando bebo um copo de água, quando tenho soluços ou quando pisco os olhos, em tudo o que faço, sinto fluir o amor. O amor não é bom nem ruim, assim como ele não está no passado nem no futuro. O amor é o agora, e está disponível para cada um de nós percebê-lo e intensificá-lo.
 
Vênus – Moska, no seu novo single Tudo o que acontece de ruim é para melhorar, você diz que “Tudo que foi dor um dia/ no outro dia será dia de continuar/ caminhando sob o sol/ até o amor se reinventar…” É assim que acontece com você? 
Moska – Eu tenho muitas canções que tratam desse tema: a necessária capacidade que temos que buscar de “levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima”. Lágrimas de DiamantesTudo Novo de Novo são dois bons exemplos. A única saída para não entrarmos em depressão é estimular o corpo e a mente a reagirem. Essa reação é feita com amor, e eu tento colocar isso dentro das minhas canções porque sei que existe a possibilidade de alguém escutar ou ler e, assim, despertar para o que a letra está dizendo. É muito importante termos bem definidas as nossas referências de amor e de alegria, para utilizá-las como impulso nos momentos tristes e escuros. O tempo também é um grande aliado, mas ele demora um pouco, e temos que ajudá-lo. É sempre bom lembrar que qualquer dor é também uma força que primeiro está nos achatando, mas que podemos pouco a pouco ir mudando sua direção para alguma coisa construtiva, que geralmente precisa também dessa mesma força para iniciar seu processo.
 
Vênus – Existe hoje uma grande discussão sobre o empobrecimento da música popular brasileira. Os novos sucessos não têm o requinte nem a poesia de antes, tudo parece mais superficial, simplório e apelativo. Como músico e poeta, de que maneira você enxerga este cenário?
Moska – Não foi a música popular brasileira que empobreceu. Escuto todos os dias música boa e nova feita por jovens e também pelos já consagrados artistas brasileiros. A qualidade ainda existe, mas infelizmente o mercado funciona de acordo com os números. Sempre funcionou. Se um dia o Brasil já teve uma música popular de altíssima qualidade tocando em muitas rádios, era porque essa música vendia muitos discos, servia aos interesses do mercado. A partir do momento em que as gravadoras/rádios/mídia acirraram ainda mais a disputa pelo maior número de ouvintes/espectadores/leitores, a música mais simples e mais popular foi se impondo, porque dá mais lucro, é simples. A bossa nova, a jovem guarda, o tropicalismo, a MPB, o rock… todos os estilos “de qualidade” também já foram “comerciais”, ou seja, em algum momento já venderam muitos discos, porque estavam no main stream. O main stream é onde circula a música que está gerando dinheiro para todo o sistema do mercado, para todos que vivem da indústria do entretenimento. Isso não quer dizer que a música brasileira não tem os requintes de antes. Só quer dizer que o que é comercial hoje não é a música sofisticada que sempre caracterizou o mercado brasileiro. 

“O amor não é bom nem ruim, assim como ele não está no passado nem no futuro. O amor é o agora, e está disponível para cada um de nós percebê-lo e intensificá-lo.”

Vênus – Você agora está no meio de uma nova aventura para filmar a série de tv Tu Casa es Mi Casa. Nos conte um pouco sobre essa sua experiência.
 Moska – A música não me é suficiente. Preciso agregar imagens, textos falados ou escritos, ação, cores, lugares, luzes… outros sentidos que possam lapidar melhor o que quero dizer, ou o que quero descobrir. Há 11 anos, criei o Zoombido, série que apresento até hoje no Canal Brasil, e com ele cruzei de certa maneira um limite que existia entre minhas canções e minha formação de ator. Mas eu queria ir mais longe e, agora, chegando na meia idade (completo 50 anos em Agosto), senti uma necessidade imensa de realizar projetos maiores e diferentes. Projetos em que eu realmente aprenda coisas importantes e que possam despertar em mais pessoas a busca do conhecimento e da verdade. Tu Casa es Mi Casa é uma série de tv em 12 episódios, em que eu visito 12 cidades da América Latina e me encontro com cientistas, cantautores e artistas visuais locais, para entender um pouco mais quem somos e o que podemos fazer para melhorar nossa condição no mundo. Já filmamos tudo, e agora estamos na pós-produção, editando as imagens e mixando o som. Compus uma canção “científica” em cada país e tenho 12 novas tatuagens no meu braço. Foi a viagem/projeto mais linda(o) que fiz em minha vida. E realmente aprendi/vivi muitíssimo.
 
Vênus – Nesses tempos de intolerância e turbulência planetária seja na política, na economia ou espiritualmente, o que você faria se só te restasse um dia?
 Moska – Se só me restasse um dia, mas todo mundo continuasse a viver,  eu tentaria realizar alguma coisa que deixasse para os sobreviventes um rastro de amor e alegria por mais tempo possível, que é o que eu faço todos os dias. Talvez eu organizasse minha própria obra a fim de potencializá-la. Mas, se numa segunda hipótese de interpretação da sua pergunta, o mundo fosse acabar, com todos morrendo, a intolerância e a turbulência política, econômica ou espiritual não iam ter a mínima importância para ninguém. Eu sou ateu: pra mim, fim é fim. E o último fim será igual para todos.
 
Vênus – Como surgiu a sua poesia Vênus? Como você alcançou essa visão tão inspirada sobre o amor?  
 Moska – Frequentei por 8 anos um grupo de filosofia, ministrado pelo meu falecido mestre Claudio Ulpiano. Ele pensava a obra do francês Gilles Deleuze, e pude entrar em contato com a beleza do pensamento dos dois. Ulpiano me abriu muitas portas, reuniu todas as artes (literatura, cinema, teatro, pintura, escultura, dança…) num sentido novo, potente, desligado de qualquer ideologia, instituição, governo ou religião. Palavras como “espírito” e “alma”, por exemplo, ganharam potências artísticas e revolucionárias na minha vida. Pude começar a ver com clareza a estupidez do fanatismo, que gera a ignorância de se contentar com pouco. E muito para mim é tão pouco… Quero saber tudo, descobrir o que está por trás da cortina, entender o processo das coisas, do que elas são feitas, quais as suas origens, o que é o Universo, o que tem em baixo da terra, como funciona o nosso corpo… Tudo me interessa. E o amor não ficou fora disso. Investigo o amor como quem quer aprender com ele.

Vênus

 poema de Paulinho Moska

Não falo do amor romântico,

aquelas paixões meladas, de tristeza e sofrimento.

Relações de dependência e submissão, paixões tristes.

Algumas pessoas confundem isso com amor.

Chamam de “amor” esse querer escravo,

e pensam que o amor é alguma coisa

que pode ser definida, explicada, entendida, julgada.

Pensam que o amor já estava pronto, formatado, inteiro,

antes de ser experimentado.

Mas é exatamente o oposto, para mim, o que o amor manifesta.

A virtude do amor é sua capacidade potencial de ser construído,

inventado e modificado.

O amor está em movimento eterno, em velocidade infinita.

O amor é um móbile.

Como fotografá-lo? Como percebê-lo? Como se deixar sê-lo?

E como impedir que a imagem sedentária e cansada do amor nos domine?

Minha resposta? O amor é o desconhecido.

Mesmo depois de uma vida inteira de amores,

o amor será sempre o desconhecido,

a força luminosa que ao mesmo tempo cega e nos dá uma nova visão.

A imagem que eu tenho do amor é a de um ser em mutação.

O amor quer ser interferido, quer ser violado,

quer ser transformado a cada instante.

A vida do amor depende dessa interferência.

A morte do amor é quando, diante do seu labirinto,

decidimos caminhar pela estrada reta.

Ele nos oferece seus oceanos de mares revoltos e profundos,

e nós preferimos o leito de um rio, com início, meio e fim.

Não, não podemos subestimar o amor e não podemos castrá-lo.

O amor não é orgânico.

Não é meu coração que sente o amor.

É a minha alma que o saboreia.

Não é no meu sangue que ele ferve.

O amor faz sua fogueira dionisíaca no meu espírito.

Sua força se mistura com a minha

e nossas pequenas fagulhas ecoam pelo céu

como se fossem novas estrelas recém-nascidas.

O amor brilha.

Como uma aurora colorida e misteriosa,

como um crepúsculo inundado de beleza e despedida,

o amor grita seu silêncio e nos dá sua música.

Nós dançamos sua felicidade em delírio,

porque somos o alimento preferido do amor,

se estivermos também a devorá-lo.

O amor, eu não conheço.

E é exatamente por isso que o desejo e me jogo do seu abismo,

me aventurando ao seu encontro.

A vida só existe quando o amor a navega.

Morrer de amor é a substância de que a vida é feita.

Ou melhor, só se vive no amor.

E a língua do amor é a língua que eu falo e escuto.


Ouça Moska : paulinhomoska.com.br/discografia

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Fotos : Jorge Bispo