Ana namora Diego, fica com Felipe, que é casado com Luciana, que também fica com Ana. Todos vivem uma experiência de poliamor e acreditam que a felicidade não está em uma única pessoa. Estranho? Diferente? Confuso? Para eles não. Sem culpa, sem “chifres”, sem cobrança. Todos sabem de todos e se respeitam. Essa é a base desse tipo de relação que a cada dia cresce mais. Amamos vários filhos e amigos com a mesma intensidade, e por que não parceiros sexuais? No mundo cada vez mais individualizado, onde as relações são cada vez mais ocas e frágeis e, por vezes, a opção escolhida é mentir e esconder, muitos deram um basta nisso. Reinventaram seus conceitos e mudaram os paradigmas a respeito do que pode ou não ser feito numa relação.
Com clareza, honestidade e muita cumplicidade, o poliamor é uma opção cada vez mais aceita, pensada, escolhida e vivida.
Segundo a Wikipédia, enciclopédia livre da Internet: “Poliamor é a tradução para a língua portuguesa da palavra polyamory (palavra híbrida: poly é grego e significa muitos, e amor vem do latim), é a prática, o desejo ou a aceitação de ter mais de um relacionamento íntimo simultaneamente com o conhecimento e consentimento de todos os envolvidos. É frequentemente descrito como consensual, ético, responsável e não-monogâmico.
Na mesma semana, a psicanalista e escritora Regina Navarro recebeu uma paciente que estava cansada da obrigação de ter que escolher apenas uma pessoa para se relacionar, quando amava várias e recebeu também a ligação de uma repórter querendo entrevistá-la sobre poliamor.
Para Regina “são esses pequenos sinais que indicam as tendências. Existe hoje um movimento organizado com a intenção de difundir a ideia de se amar várias pessoas ao mesmo tempo.”
O casal Fada e Bardo tinham um casamento monogâmico há seis anos e, já com duas filhas, a vida dando certo, mas faltava a tal felicidade. Foi quando Bardo falou para Fada que ela precisava entender a sua necessidade de sair com outra mulher. Nesse primeiro momento, ela se chocou, se desesperou, queria morrer. Fada questionava onde tinha falhado, porque não era mais suficiente. Bardo, com todo seu amor e paciência, foi ajudando Fada a desconstruir sua visão social da vida. A cada objeção, ele trazia um pensamento livre, e a fez perceber que não tinha deixado de ama-lá, mas estava buscando um caminho para aquela união linda não entrar em colapso. No lugar de cada um partir para seus desejos de forma escondida e individual ou se separarem, conversaram muito e decidiram viver uma relação de poliamor. “Encontrar outras pessoas para relacionamento é a maior dificuldade, pois raramente estão autônomas o suficiente para entender como o poliamor funciona”, declara Bardo, e garante que a autonomia, de longe, é a maior vantagem:
“Poder buscar o carinho e a atenção que faltam em outras pessoas e, ao mesmo tempo, não exigir do parceiro o carinho e a atenção que ele não pode dar naquele momento. É a tranquilidade no amor. “
O casal já viveu algumas relações de trisal, nome dado a um relacionamento a três, mas foram experiências que não voltarão a ter, pois, para Bardo, isso “exclui nossa autonomia, que é o que precisamos. Pode acontecer de nos relacionarmos com a mesma pessoa, mas cada um com suas responsabilidades”, conclui. Bardo e Fada é a banda de rock n’ roll do casal e, através da música, divulgam a possibilidade de viver o poliamor, com letras esclarecedoras sobre o assunto.
Ju é casada com Guto e namoram Mari. Vivem, hoje, juntos num relacionamento de amor, há quatro anos, e para eles não precisa dessa definição de poliamor. Sem nomes e regras, tudo é muito natural como um casamento tradicional: “É carinho, preocupação com o bem-estar dos outros, muita conversa e companheirismo”, explica Mari, e conclui: “As regras são as básicas de qualquer relacionamento interpessoal, e a base é essa: o respeito e o amor. E dessa forma não tem como dar errado.” Olhando por esse prisma, percebe-se que o poliamor é uma forma bem prática de relacionamento amoroso, longe do que se encontra por aí: infidelidade, traição e o sentimento de posse e domínio sobre o outro. Inclusive, nessa forma de amar, há um sentimento, contrário ao ciúme, chamado compersão — sentir-se feliz ao ver seus parceiros com outras pessoas. Para os poliamoristas, como são chamados, cada parceiro está interessado na felicidade do outro e não se sente inteiramente responsável por ela e, por causa disso, também não espera e nem cobra dos parceiros essa responsabilidade no amor. César vive o poliamor. Para ele, que sempre sentiu tesão por outras pessoas, mesmo quando namorava, “é uma sensação de liberdade e respeito absoluto por você mesmo”.
“Vivenciar a compersão é delicado. É fundamental que você entenda que precisa, acima de tudo, se amar, pra depois poder compartilhar amor com os outros, dessa maneira”, define.
Honestidade, cumplicidade, respeito, companheirismo e acima de tudo amor. Essas são as filosofias e bases dos poliamoristas, que encontraram uma forma de se relacionar e se libertar naturalmente do nosso sistema social, que impõe regras de como devemos ser. Para eles, é simplesmente viver essa força infinita do amor, com muita responsabilidade e verdade. É um estilo de vida alternativo.
Talvez você já tenha até pensado nisso, mas se castrou. É complexo, assustador para muitos e também muito fascinante.
Artigo – União Poliafetiva. Por que não?
Há pouco tempo, deparamo-nos com uma notícia na capa do Jornal “O Globo”, que, acredito, chocou a quase todos, senhores, jovens, gays… A bombástica notícia dizia o seguinte:
“Cartório de São Paulo registra união estável de três pessoas.” [1]
Comecei a indagar-me: por que esse tipo de notícia, em pleno século XXI, ainda causa tanto furor, tanta indignação e tanta repulsa na nossa sociedade? Moral cristã? Medo do novo?
Na verdade, nada permitiu que essas uniões acontecessem. Não as inventamos, elas simplesmente sempre existiram na nossa sociedade; no entanto, não existia a visibilidade que essa união poliafetiva, formalizada por meio de escritura pública, em Tupã, está tendo, pois, nesse caso, a referida união foi expressa e lavrada em cartório e saiu publicada na primeira página de um jornal de altíssima circulação.
Infelizmente, eu não tive a oportunidade de ler, tampouco fui procurada para lavrar a controvertida escritura. Mas, basicamente, o que eu posso dizer-lhes, é que o instrumento público lavrado em Tupã nada mais fez do que determinar regras patrimoniais e de conduta, estabelecendo entre os participantes uma sociedade de fato, rogando, inclusive, pelo seu reconhecimento futuro como uma entidade familiar.
O Direito de Família, após a promulgação da Constituição da República, de 1988, está vivendo um momento de grande efervescência, houve uma séria e profunda mudança de paradigma. Antes da Constituição de 1988, o Direito protegia a instituição casamento (art. 175, EC 1/69), desconhecendo os demais tipos de uniões, mesmo a união estável homem/mulher. Após o advento da nova Constituição, o princípio norteador do Direito de Família passou a ser o AFETO.
Basta dizer que, hoje em dia, a nossa legislação e o nosso Judiciário entendem como entidade familiar a família monoparental, a família anaparental, a família mosaico, a família unipessoal (decisão do STJ), a união estável, agora, depois da decisão histórica do STF, sem mais distinção entre homo e hétero, filiação por afetividade, entre outras. Ou seja, a base mestre dessas relações deverá ser o afeto.
No meu entendimento, qualquer grupo poderia fazer uma união como esta – i.e., um homem e duas mulheres, uma mulher e dois homens, três homens, três mulheres -, desde que respeitados alguns pressupostos contidos no art. 1.723, do nosso Código Civil, como, por exemplo: ser pública, ser contínua, ser duradoura (não há limite temporal), apresentar objetivo de constituir família, não apresentar impedimentos matrimoniais, contidos no art. 1.521 (e.g., ascendente não pode se casar com descendente), também do Código Civil.
Agora lhes pergunto: por que não reconhecer a união poliafetiva como uma nova forma de entidade familiar, se estão presentes todos os pressupostos para isso? Afetividade, relação duradoura, respeito recíproco, objetivo de constituir família, nenhum impedimento previsto no art. 1.521, do Código Civil. Existe alguma lei que proíba?
Definitivamente não. Não há nenhuma lei que proíba esse tipo de união. Além disso, cumpre, também, destacar que, no âmbito do direito privado, o que não é vedado, é permitido.
E agora? Como se posicionará o Supremo Tribunal Federal depois que concedeu às uniões homoafetivas o status de entidade familiar? Pois os fundamentos que deram ensejo ao festejado acórdão são exatamente os mesmos (ubi eadem ratio ibi idem ius).
Vejamos, então, de forma sucinta, os fundamentos da histórica decisão: a) proibição da discriminação (homem/mulher, orientação sexual); b) direitos fundamentais do indivíduo, autonomia da vontade; c) proibição do preconceito; d) silêncio normativo – norma geral negativa – segundo o qual, o que não estiver juridicamente proibido, ou obrigado, está juridicamente permitido; e) princípio da dignidade da pessoa humana (direito à busca da felicidade e direito à liberdade sexual); f) interpretação não reducionista ou ortodoxa do conceito de família; g) interpretação do art. 1.723, do Código Civil, conforme a Constituição da República.
Apesar de me considerar uma pessoa extremamente otimista, tenho a convicção de que, neste primeiro momento, o nosso Judiciário não reconhecerá a união poliafetiva como entidade familiar, mas, tão somente, como uma sociedade de fato.
Aliás, a teoria da sociedade de fato, desde os primórdios, foi largamente utilizada para dirimir os conflitos de família. A princípio, a união estável homem/mulher não era concebida como uma entidade familiar. E como decidiam os julgadores? Decidiam exatamente com fundamento na teoria da sociedade de fato, formação de patrimônio comum e com posterior divisão, vedando o enriquecimento ilícito, com a aplicação da vetusta Súmula 380, do STF. Essas ações eram direcionadas às Varas Cíveis.
Essa mesma teoria foi aplicada às uniões estáveis homoafetivas, quando também ainda não eram reconhecidas como entidade familiar, aplicando-se-lhes idêntico tratamento.
Não tenho dúvida de que a união poliafetiva percorrerá esse mesmo árduo e longo caminho, até alcançar o seu reconhecimento como entidade familiar, que, a meu ver, será inevitável.
O mundo mudou e muda a cada instante, a forma casamento cedeu espaço à essência – afeto -, que, na verdade, é o instrumento para a promoção da personalidade humana. As pessoas buscam a felicidade, não estou me referindo aqui à felicidade romântica, mas, sim, à felicidade segundo Aristóteles.
A palavra grega eudaimonia, que se traduz por felicidade, na nossa língua, tem sentido diferente tal qual conhecemos. De acordo com o filósofo de Estagira, eudaimonia significa o mais elevado entre todos os bens cuja obtenção pode ser realizada pela ação. Assim sendo, conclui-se que a eudaimonia é conquistada quando o exercício ativo das faculdades da alma humana é realizado em conformidade com a virtude.
Sejamos todos felizes!
Autora do artigo: Fernanda de Freitas Leitão – Tabeliã titular do 15º Ofício de Notas da Comarca do Rio de Janeiro
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