Chamar o parceiro/a de “neném”, “mô”, “momô” ou o atual “mozão” (versão infantil para o vocativo “amor”), “meu totoso” ou “minha totosa” (como transliteração de “gostoso/a”) e suas variações é algo bastante comum. Quantos casais você conhece que fala entre si com voz de bebê? Pelo menos um, correto? E muitas outras falas dos casais nos remetem ao universo infantil, como por exemplo, “ai, que fofura!” e também o uso frequente do diminutivo como em “vamos ver um filminho hoje?”, “vem cá, meu amorzinho!” e por aí vai.

Muitas pessoas não assumem que falam assim com seus parceiros e talvez a maioria reserve esse tipo de comunicação para os momentos de intimidade. Você pode até achar brega falar dessa forma, mas de fato isso é bastante comum. Então, por que, afinal, os casais falam entre si dessa forma?

Na intimidade dos corpos e das emoções, o relacionamento entre o casal promove e mobiliza o desenvolvimento de tendências regressivas e alguns autores afirmam que a regressão é um dos componentes essenciais na formação do casal, onde certas modalidades de funcionamento psíquico que haviam sido abandonadas ou modificadas têm a possibilidade de voltar a se apresentar novamente. As únicas outras relações onde esses níveis regressivos não assumem conotações patológicas seriam a relação mãe-criança e a relação terapêutica (cliente/terapeuta).

Há um caráter fusional na relação mãe-bebê; os grandes mestres da Psicologia discordam do período de tempo que a mãe e o bebê permanecem em fusão emocional, mas concordam que a fusão existe: durante certo período de tempo, mãe e bebê se percebem como sendo um só ser. No casal, acontece um movimento de oscilação constante, por meio do qual o outro é uma “extensão de mim” (fusão) e ao mesmo é um “não-eu”. Esse processo oscilatório caracteriza os casais saudáveis que têm a capacidade de vivenciar a fusão, como durante a relação sexual, por exemplo, e a capacidade oposta, a alteridade, a capacidade de se diferenciar do outro.

Daí a fala do bebê, dessa mobilização de tendências regressivas. E sim, uma situação de regressão (algo que é inclusive bastante comum em uma relação terapêutica já bem estabelecida) pode ter um caráter transformador.  Freud considerava o casamento “uma tentativa original de cura” ou “a forma mais frequente de resolver a neurose” e o desenvolvimento de tendências regressivas é apenas uma das várias facetas do processo de transformação e conhecimento que o casal aciona em cada um dos parceiros.

Como diz o psicoterapeuta francês Éric Champ, de forma jocosa, a relação amorosa é o melhor hospital psiquiátrico que existe no mundo, ou seja, é um espaço muito propício para “resolver a neurose”, como disse Freud. Assim, fica o convite para os casais se amarem e fazerem uso do espaço amoroso também para a transformação individual. Amar é uma grande escola da vida.


Foto: Davids Kokainis