Expressão em latim, pronunciada em português “ámor fáti”.  Significa “amor ao fato”, ou “amor ao destino” como se apresenta agora. A ideia de aceitarmos, e naturalmente amarmos, passado, futuro incerto e a vida como ela é agora – em cada alegria e sofrimento – está presente no pensamento de alguns filósofos e filosofias, ocidentais e orientais.

Nietzsche, o filósofo alemão do século XIX – criador de uma ética visceral sem regras morais – aprofundou e desenvolveu o conceito de “Amor Fati”. Quando pensamos sobre futuro ou passado, pensamos agora. Isso não significa que ele nos diga para “deixar a vida nos levar.” É importante que nos permitamos toda à decadência existencial e moral, sem deixar de adquirir conhecimento intelectual. Nossos valores internos, em princípio, não são, mas representam nossa essência.

Ao nos distanciarmos e questionarmos todos os valores que nos foram introduzidos desde a nossa concepção e criação, podemos nos desenvolver a partir de nossa vontade potência – energia individual presente em toda a matéria existente no universo. Em nossa relação mente-corpo com o mundo, podemos nos tornar “seres que vivem criando agora na terra”, pulsando, respirando e sentindo o Amor Fati.

“O Homem do conhecimento é capaz de odiar os seus amigos e amar os seus inimigos. ”

Crenças pré-estabelecidas sem capacidade crítica nos afastam de nós mesmos, do conhecimento e da nossa potência de ação na vida. O conflito da nossa natureza com a cultura faz parte de nossa existência e pode ser minimizado durante a aceitação de nossa decadência individual e coletiva. A “decadência” é o processo de “doença existencial” identificado por Nietzsche no ser humano ocidental do século XIX. Aceita-la, segundo ele, é o primeiro passo. Se pararmos para observar nossa sociedade como um todo, podemos dizer que concordamos com ele: suas ideias serviriam aos leitores do futuro.

O Amor Fati é o amor pelo destino que está posto agora, mesmo que seja amar o desamor e sentimentos desprazerosos. Assim quem sabe, naturalmente desejarmos nosso desenvolvimento agora, mesmo que isso no momento signifique decair, ao menos em alguns aspectos. Não somos capazes de amar a nós mesmos – nem muito menos outras pessoas – antes de sermos capazes de viver a vida integralmente agora. Para amarmos, é fundamental sentirmos e falarmos sobre nossos medos, culpas, desamparo, raiva, ódio, vergonha e inveja, assim como tudo aquilo que é prazeroso e alegre na vida.

A maior parte de nossos medos e culpas reprimidos está relacionada aos “tem quês” não precedidos de desejo. Por exemplo: “não temos que sentir culpa” (tentar não sentir dá mais trabalho que sentir!), “tenho que conhecer Paris” (diferente de “Eu adoraria conhecer Paris”). Essa ideia de escolher o que somos, infelizmente vai além da autoajuda, também é justificada por muitos como “ciência”. Retirar crenças e pôr novas no lugar, nos lembra os exorcismos da idade média.

Já temos regras sociais, científicas e legais necessárias, passíveis de atualização para seguirmos o processo civilizatório necessário. Já há um custo de natureza e essência nisso. Quando tentamos sentir ou deixar de sentir algo, com estratégias e explicações intelectuais – científicas ou não – estamos fugindo do que somos e sentimos agora. Que tal contermos apenas ações disfuncionais e desumanas, para com nós mesmos e a sociedade?

 “Apenas o ser humano capaz de afastar-se de si mesmo e entrar em contato com as próprias sombras pode encontrar o próprio sol.”

Nietzsche é um filósofo de pensamento trágico, romântico e poético, admira a cultura oriental e a natureza. Divertido, traz ideias para nos afastarmos da pobreza existencial, psíquica e física, enquanto indivíduos e sociedade; deseja que a humanidade se aproxime da criatividade e do livre arbítrio.

Ele não é contra a pessoa de Jesus Cristo, nem ativista ateu, como muitos pensam lendo frases soltas. Cita que o ser humano é decadente por criar e buscar o idealismo (crença na existência dos ideais). Imaginamos que se ele estivesse vivo provocaria também os “ateus praticantes”. Para nós, ser ou não religioso é apenas uma característica.

O fanatismo ideológico – seja por ciência, religião, ateísmo, filosofia ou política – é aquele que encoberta excessivamente o medo, nos fornece identidade pronta e padronizada, distrai com explicações, afasta da capacidade de pensarmos com a nossa própria cabeça, com alguns exercendo poder sobre a maioria. O mais comum é as pessoas não terem capacidade razoável de escolhas conscientes, funcionais e senso de democracia no presente. Geralmente não sabem, ou desconsideram que a maior parte de nossa atividade mental é inconsciente, o que a neurociência atual já demonstrou. A psicanálise científica desenvolvida por Freud utilizou também a obra de Spinoza e Nietzsche para observar o ser humano.

Nessa ótica, a “razão” cartesiana que faz oposição à emoção não existe: é a integração harmônica entre emoção e intelecto. Enquanto ética, aceitarmos a nossa decadência inerente à cultura na qual fomos concebidos significa aceitar a natureza rumo ao autoconhecimento, consequentemente enxergarmos as outras pessoas e o mundo de forma um pouco menos distorcida. Aumentar a autocrítica para desenvolver capacidade crítica e nossos próprios valores individuais e sociais, podendo ou não coincidir com o mais comum. “Os duelos devem ser com respeito ao adversário. Nada como zombar intelectualmente de um oponente que nos provoca. O humor acompanha a sabedoria”.

Nietzsche é genialmente contraditório. “Quem não se contradiz nos pensamentos não sabe pensar”. O conceito de “Amor Fati” – assim como outros – acaba por se tornar um ideal. Portanto, um modelo de perfeição inatingível em sua totalidade. Ideais servem como referencial para nos aproximarmos e afastarmos no pensamento, na ciência e consequentemente nas ações. Sugerimos cautela, equilíbrio e outras leituras ao interpretar Nietzsche. Ele pode nos convidar a viver uma vida mais viva, ativa e consciente na terra: aqui e agora! Porém, muitas vezes é interpretado e utilizado com fins excessivamente ideológicos e irresponsáveis, inclusive por filósofos conhecidos.

O amor saudável enquanto sentimento surge da inocência de um ser criador, e pode ser praticado. Tentar escolher o que sentimos é sintoma. Respeito é dever e direito humano.

“Torna-te aquilo que és! ”. Tentar escolher é um desastre.


Sugestão para reflexão

Dicas para uma comunicação saudável (Raphael Pita) https://www.venus.digital/ciclos-do-amor/dicas-para-uma-comunicacao-saudavel/

Eterno Retorno e Amor Fati https://youtu.be/Lg1Cb8CQgIM

Amor Fati (texto do site “Razão inadequada”) https://razaoinadequada.com/2013/04/03/nietzsche-amor-fati/

Vídeos curtos: Curso do “razão inadequada” para leigos sobre os principais conceitos de Nietzsche https://youtu.be/y145xrH2sfo

Livros do Nietzsche: “Ecce Homo”, “Genealogia da Moral”, Assim falou Zaratustra”, e outros.

Livro “A nova Conversa” de Cesar Ebraico – Utiliza o pensamento de Nietzsche como principal base filosófica nos aspectos humanos/éticos. Descreve e ilustra na prática a aplicação da Loganálise, uma técnica de comunicação verbal e saúde psicológica. https://www.amazon.com.br/NOVA-CONVERSA-comunicação-cotidiana-repressões-ebook/dp/B00B4IHRNU