O meu amado tinha tantas manias:
perdia canetas, lápis, chaves.
Houve um livro que comprou três vezes em um mês:
depois encontramos todos e mais um sob velhos jornais.
Mandei fazer uma estante nova para organizar seus
livros:
mas quando ele se foi, mais que livros havia ali de novo
jornais.
Nunca sabia bem por que os guardara. Eram parte do
seu ninho,
como nossos lençóis e os móveis da sala.
Não conseguia sentar-se mais que meia hora para escrever:
vinha ao meu escritório, usava de pretextos para me
distrair,
dava um beijo, fazia confidências, comentava assuntos
do dia.
Quando me via triste, dizia entre compassivo e magoado:
“Você hoje está numa melancolia profunda?”
Certa vez discutimos, e ele deixou sobre minha máquina
de escrever
um bilhete de amor.

Nunca tivemos mais que vinte anos.


Lya Luft: Durante sua juventude, Lya foi tida como uma menina desobediente e contestadora: não gostava de aprender a cozinhar nem a bordar e chegou a ser mandada para um internato durante dois meses. Porém, desde cedo foi uma ávida leitora — aos onze anos, já recitava poemas de Göethe e Schiller — e tinha um relacionamento mais natural com o pai, um homem culto a quem idolatrava, do que com a mãe. 

Em 2001, Luft recebeu o prêmio União Latina de melhor tradução técnica e científica, pela obra Lete: Arte e crítica do esquecimento, de Harald Weinrich. Em 2013, recebeu o Prêmio ABL, na categoria Ficção, Romance, Teatro e Conto, pela obra O tigre na sombra.[6] No total, já escreveu e publicou 23 livros, entre romances, coletâneas de poemas, crônicas, ensaios e livros infantis. Os livros de Lya Luft continuam sendo traduzidos para diversos idiomas.