Há maldades inacreditáveis nas redes sociais.
Leitora questiona, em comentário público, diante de uma fotografia sombreada, se sofro da Síndrome de Parry–Romberg, caracterizada pela atrofia de um lado da face.
Não existe nenhum problema comigo.
Tudo bem me chamar de feio e monstro, não sou simétrico e nem me enquadro nos padrões esféricos de beleza.
Mas não, ela brincou com uma doença rara, de origem desconhecida, que traz uma degeneração séria, em evidente preconceito com os seus portadores.
O que mais me estarreceu é que a atitude partiu de uma enfermeira, de uma profissional de saúde.
Se não foi uma brincadeira e tem realmente uma suspeita, que me pergunte em privado. Assim mesmo, interagiria sem noção, pois existe uma farta galeria de imagens em minha página que excluiria esse “diagnóstico” apressado.
O que pretendo chamar a atenção é da nossa responsabilidade na web, em cuidar para não estigmatizar a aparência de ninguém, agressão que atinge todos os níveis, em especial nas manifestações de gordofobia (com a insinuação sádica de gravidez ou com a censura de que é indecente expor o corpo quem não tem o físico perfeito).
Eu sei lidar com o bullying – passei a vida desarmando rótulos. Mas minha preocupação é: se ela falasse isso para um adolescente, ele conseguiria reagir ou se esconderia de vergonha? Será que não seria um gatilho poderoso para a depressão, para desfalcar o amor-próprio, para se isolar?
Não temos noção do que as pessoas experimentam em segredo e o quanto já se encontram afetadas pela rejeição. O último golpe pode vir de qualquer lugar e de um mero desconhecido.
Estamos nos aproximando do Setembro Amarelo, mês de prevenção ao suicídio, numa época frágil de pandemia, em que a vida virtual tem sido muito mais intensa do que a presencial. Não há mais como agir irracionalmente, despreocupados com as consequências dos nossos comentários.
Que cada um ponha a mão direita na consciência e a esquerda no coração antes de postar qualquer coisa. Ou pode empurrar alguém vulnerável para o precipício.


Fabrício Carpi Nejar (Caxias do Sul, 23 de outubro de 1972), ou Fabricio Carpinejar, como passou a assinar a partir de 1998, é um poeta, cronista e jornalista brasileiro.

Publicou quarenta e três livros entre poesia, crônicas, infanto-juvenis e reportagem, detentor de mais de 20 prêmios literários.

Foi escolhido pela revista Época como uma das 27 personalidades mais influentes na internet. Seus guardanapos digitais são uma febre entre os internautas e as suas postagens ultrapassam mais de um milhão de leitores.