Foi na fila da apostilaria, sobre o xadrez do ladrilho hidráulico que a avistei. A vista que desde aquele instante mora em meus olhos, cogita os meus pensamentos, levita meus pés longe do chão: novo chão tem seu lugar para os meus passos caminharem. Sentados lado a lado em duas carteiras do 1B, 1978 no Colégio Equipe, nunca mais nos separamos. Até distantes estávamos perto, um dentro do outro. Certamente em Fevereiro, pouco antes ou depois do mesmo 14 do dia de hoje, quando ela fez 17 anos, eu renasci para ser o que me tornei e agora sou e para sempre serei até mesmo além do ser. O tempo inverteu a ordem, hoje 14 é 41 pra ser exato. O pátio emprestou seu colo para eu me deitar, sonhar, sorrir, chorar e viver, a partir dali todos os meus Janeiros, um a um, ano a ano, décadas, século, milênios e a eternidade. Corro sem te acompanhar, você é minha única companhia. Enchi uma caixa de sapatos com as flores pequenas e amarelas derramados no asfalto da rua de casa, dos galhos caídas das velhas Tipuanas. Você encheu meu coração. O sapo saprófita e sua letra angulosa sempre me encantaram como seus dedos, dedos que quero para sempre entrelaçados nos meus. Seus lábios, seu nariz arrebitado, seus olhos que quando vermelhos parecem tristes fazem os meus, acesos brilharem em radiante alegria. Sou seu maior admirador; ela é pura admiração, fascinação. A matriz do amor descrito e buscado em todas as canções, versos, sílabas, letras que escrevi e ainda escreverei para dizer o quanto desejo a vida que ainda vamos viver – eu e você. “e eu sonho com ela/ eu preciso dela/ sou louco por ela/ a vida sem ela/ é incongruência, desolação”. Ela é você. Elas, eles, todos. Nós, apenas nós, dois, quatro, seis, sete com mais um, oito. Imensa família, ilha de amor nesse mundo rodeado pelo horror que combatemos. Sou seu, fã, marido, pai e filho, agora avô. Foi você que deu tudo isso, quem me fez esse, puro e simples, muita pouco daquilo que gostaria de te dar. A quem me lê digo em letras garrafais: Sou dela, meu olhos, minhas mãos, o ar, pulmão, Terra e atmosfera, mãe filhos netas, fruta forma, arma, alma, amor, vida, sangue, coração.


Nando Reis: José Fernando Gomes dos Reis, conhecido artisticamente como Nando Reis (São Paulo, 12 de janeiro de 1963), é um baixista, cantor, violonista e compositor brasileiro. Ex-baixista da banda de rock Titãs, atualmente segue em carreira solo.

Foi casado com sua colega de escola Vânia de 1985 a 2003, e depois de 2013 até hoje. Tem cinco filhos: Theodoro, Sophia, Sebastião, Zoé e Ismael e uma neta, Gal.

Foto: Jorge Bispo