Sabe… o ano começou pesado! Foi ômicron, assassinato de Moise Kabagambe, tragédia de Petrópolis, Guerra da Ucrânia…
Realmente acredito naquela máxima: assim dentro como fora e assim em cima como em baixo, porque parece que a maioria das pessoas que conheço começou o ano vestida de Rambo matando dragão de dia para poder sonhar a noite com dias melhores. Como se não bastassem os últimos dois anos de onde viemos cada qual de sua guerra particular, carregando na sua bolsa as sequelas de dois anos de pandemia.
De resto, tudo sempre igual, quando a gente já anseia pelo diferente, porque cansamos desse tempo de limbo entre o antes, o agora e o depois: Carros, trânsito, relógios, sonhos, metrô lotado, conta bancária no limite do perigo, desejos, correria. Insistência. Paciência. Mundo de idiossincrasias dissonantes que, de repente, encaixam-se.
A maioria das pessoas começou o ano vestida de Rambo matando dragão de dia para poder sonhar a noite
Parada no trânsito, olho um relógio da cidade de dentro do carro, nego-me a aceitar a realidade de que estou sempre atrasada, ou de que fazer 50 horas de atividades em 12 horas do dia é uma conta que não fecha. Visto-me desse momento de rebeldia, na minha rotina trivial de mãe de criança pequena, com sono acumulado e pouco tempo para si.
Dotada desta alta costura invisível, tenho andado por aí desafiando a física: como quem busca um gênio da matemática que prove que dois mais dois são três, que nossa noção de tempo está equivocada, que posso sim fazer o impossível e que talvez o tempo nem exista! Quem sabe?
E por falar em impossibilidades e em tempo e dimensões paralelas, uma vez estive em torno de uma fogueira em plena cidade, com um índio americano, que ensinava a dominar tornados. A fórmula dele era muito simples. Afinal, o coração mostra o caminho e a mente diz como.
O coração mostra o caminho, a mente diz como.
Nós já estamos tão viciados em resolver problemas com a mente que esquecemos que é a força do espírito, que em algumas culturas associamos ao coração, que faz-se necessária para enfrentar os tornados.
De acordo com Aquele Que Anda Com O Trovão, na tradição de Sun Dancing, quando a dança para o sol começa, nada mais pode pará-la:
Uma vez, ele e seus conterrâneos se preparavam para este ritual e a polícia apareceu dizendo que deviam ir embora porque um grande tornado vinha na sua direção. Porém, sun dancers não acreditam em impedimentos, tudo faz parte do processo.
Continuaram a dançar.
A polícia ouvindo o ultimo alerta, não se arrisca, parte. A dança continua. Eles conversam com o sol e com as nuvens, explicam como aquilo era importante, entregam sua música ao vento e pedem que o tornado os deixe continuar, porque sabem que a terra tem umbigo e ouvido. Horas depois, souberam que o tornado havia contornado o local do ritual.
É a força do espírito que faz-se necessária para enfrentar os tornados
Vejam bem, não estou dizendo que ninguém precisa se arriscar assim, eles estavam dentro de um processo espiritual da sua cultura, mas acredito no aprendizado dessa história.
Eu assisti a esse ancião numa casa de cursos, porém, isso trouxe-me de volta à beira de uma fogueira, ouvindo histórias como nossos antepassados. E, apesar da buzina dos carros que vinham da rua, da luz fria do vizinho em frente, que atravessa aquela cena telúrica, eu me perguntava: como aplicar isso aqui e agora?
O telefone toca, percebo a quantidade de tranqueiras e tecnologia e material que desenvolvemos para evoluir e saber dominar a vida. Porém, para a capacidade de enfrentar tornados na raça, não há tecnologia.
Esquecemos de ouvir a nossa alma e tudo que nos cerca?
Não sabemos pulsar como um com os nossos tornados diários e redirecioná-los; ou cantar para tomar posse daquele espaço e impedir que eles cheguem.
Afinal, nada é por acaso.
Esquecemos de ouvir a nossa alma e tudo que nos cerca?
Quão bom seria olhar os obstáculos e pedir licença para continuar a viver mesmo com medo, mesmo sem saber o que pode acontecer, sem ligar para a morte?!
O Homem que Caminha com O trovão (Vernon Foster ou Wakia Un Nanee) terminou a conversa dizendo que não podia mais viver apenas como os seus ancestrais, porque faria sinais de fogo e quando os acompanhasse com o olhar, veria um avião passando para NY.
Nós também não podemos mais viver como se dependêssemos apenas da intuição, mas podemos sim, encontrar com nosso poder de enfrentar tornados, ou, no mínimo, as pedras do caminho. Porque, sinceramente, quem não tem medo de morrer, não tem medo de viver.
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