O amor é uma ideia constante em nossas vidas. Estou falando do amor dos relacionamentos, aquele com o qual vamos convivendo desde a infância. Quem não se lembra das histórias clássicas que nos mostram que ser feliz envolve encontrar um par com o qual viveríamos para sempre? A ideia de completude por um outro, presente nos romances, está posta para nós desde muito cedo. Essa ideia está nas músicas, nas propagandas, nas novelas, nos filmes de todos os estilos, nas séries, nos noticiários. Quem nunca ouviu Tom Jobim cantando que “É impossível ser feliz sozinho”? Ele não se refere a qualquer solidão, mas àquela que diz do amor romântico, essa invenção relativamente recente na história – surge em meados do século XVIII – que pressupõe a felicidade para quem tem a sorte de encontrar alguém com quem possa permanecer, para quem possa se doar, para encontrar-se no outro, como se fôssemos seres incompletos, pela metade.

O amor romântico diz do desejo que nos leva a querer namorar outra pessoa, a nos apaixonar romanticamente por alguém. No sentido popular, é sentir um “crush”, uma “paixonite” ou uma “quedinha” por alguém. Nas rodas de amigos e amigas, no trabalho, na família, quando uma pessoa está feliz geralmente ouve as afirmativas “você deve estar namorando” ou “você está amando”. Amar virou sinônimo de ser feliz. Até mesmo o clássico “sofrer por amor”, outra ideia que foi naturalizada pelo amor romântico, faria parte de algo mais nobre, que transcende qualquer possível obstáculo. Mas, há algumas questões a serem pensadas: numa cultura que valoriza e investe tanto na ideia de amor romântico, é possível imaginar alguém que não queira amar? Alguém que seja feliz “sozinho”? Estar “sozinho” é ser infeliz?

Muito recentemente, essa experiência de estar feliz sem amar um/a parceiro/a romântico/a recebeu um nome. As pessoas arromânticas (o prefixo “a” é de negação) são aquelas que, em vários níveis, podem não se interessar em desenvolver e manter relacionamentos amorosos. Ou seja, elas não desejam se apaixonar, não desejam viver essa experiência de estar envolvido/a com alguém romanticamente. Mais uma vez é importante dizer que estou me referindo ao amor romântico, que envolve duas pessoas em um relacionamento. Certamente há outras formas de amor: as amizades, as ligações familiares, os animais de estimação, enfim, somos capazes de desenvolver e manter outros modos de relacionamento, outras formas de amar. Sendo assim, temos uma resposta para uma das perguntas que foi feita anteriormente: ser feliz “sozinho” não significa isolar-se necessariamente do mundo. O termo “sozinho”, nesse caso, vai se referir a não estar num relacionamento romântico, mas as pessoas podem ser felizes amando seus familiares, amigos e amigas e em outras relações, até mesmo numa relação de amor platônico, aquela que é idealizada e que nunca chega a se concretizar, por não ser correspondido ou por ser difícil. Pode haver pessoas arromânticas, por exemplo, que apreciam romances nas novelas, filmes e histórias, mas não querem isso para si mesmas. Estão felizes sozinhas, o que não quer dizer que pessoas arromânticas sejam incapazes de sentir amor.

Não querer se apaixonar, não ter interesse por relacionamentos amorosos românticos por pessoas de nenhum gênero não significa ter qualquer tipo de problema emocional ou psicológico. É apenas mais uma forma de ser e estar no mundo, mais uma forma de buscar a felicidade. Porém, frequentemente, essas pessoas são incompreendidas e sofrem em relacionamentos em que elas não queriam estar. Isso porque a pressão social de que é preciso amar, ter um/a parceiro/a, buscar a completude no outro é algo extremamente insistente. Às vezes, essas pessoas são vistas como de “coração frio”, “insensíveis”, excessivamente desapegadas ou mal amadas, quer dizer, aquelas que não amam porque se decepcionaram com o amor.

É importante dizer que falar das experiências de pessoas arromânticas e pensar que o amor romântico não é para todas as pessoas não significa que estar num relacionamento romântico seja algo ruim. Pode até ser, dependendo do tipo de relação em que a gente se envolve em nome do amor – às vezes, são relações abusivas, violentas ou que só nos trazem infelicidade. É preciso pensar que essa ideia de amor realmente não é para todas as pessoas, embora alguns de nós desejemos viver essa experiência. Além disso, não se envolver romanticamente envolve pensar na questão sexual: como amor e sexo se relacionam? Essa é uma questão para a nossa próxima conversa.