A união do masculino e do feminino é pauta principal nas religiões antigas, destacada por símbolos como o yin e yang e a estrela de Davi e pelos mitos que relatam um envolvimento amoroso entre divindades que, no geral, simbolizam violência e fertilidade, maternidade e paternidade, guerra e sexo. São exemplos famosos os casais divinos: Ogun e Oxum, da cultura yorubá; Ishtar e Tamuz, da Babilônia, e Afrodite e Ares, da Grécia Antiga.

A comunhão dessas duas instâncias era tão importante para o equilíbrio da vida na natureza, que as civilizações da Antiguidade realizavam suas principais liturgias com base nela. O “Hieros Gamos” era um desses rituais, conhecido pela união sexual entre o Deus e a Deusa através de seus sacerdotes. O ritual era vital para a religiosidade nos cultos egípcios a Ísis, figura atribuída à maternidade, à magia e à feminilidade; no festival celta de Beltane, em honra à chegada da primavera e à fertilidade dos campos e das mulheres; e, inclusive, nos templos gregos dedicados à Afrodite, deusa do amor e da beleza.

Nos mitos, esse vínculo nem sempre é representado por um casamento no âmbito cívico. Na maioria das vezes, a deusa em questão é vista com extrema liberdade sexual e toma para si muitos amantes — divinos ou não. Nesse contexto, a figura do “masculino” e do “Deus” nos mitos vai ser aquela “figurinha repetida”: o guerreiro viril que sempre se une à deusa do amor e conquista seu coração. Os gregos Ares e Afrodite ilustram bastante esse quadro.

Afrodite, deusa do amor, do sexo e da beleza, possuía muitos pretendentes e, inclusive, um marido. Era casada com Hefesto, deus do fogo e da forja, embora no matrimônio dos dois fossem ausentes a paixão e o vigor. O casamento fora exigido pelo deus ferreiro, após prender Hera, rainha dos deuses e sua mãe, em um trono de ouro, tomando-a como refém. Hefesto, renegado e zombado pelos habitantes do Olimpo por ser coxo e anão, exigia visibilidade divina e respeito, além da mão de Afrodite.

Apesar de casada, a deusa do amor era símbolo da liberdade sexual, dos atributos femininos e da fertilidade. Isso lhe garantia muitos amantes, mortais como Adônis e deuses como Hermes. No entanto, havia um deus que frequentemente visitava o leito de Afrodite, era pai de vários dos seus filhos e símbolo principal do masculino, que se une ao feminino no sagrado: Ares, deus da guerra sangrenta e da violência.

Ares era a representação antiga da virilidade e masculinidade, traçados na figura mitológica comum do guerreiro que se torna consorte da deusa do amor. Embora quase   sempre    atrelados    à    imagem    do    adultério   e    do   sexo   pecaminoso,   o relacionamento de Afrodite e Ares é divino em todos os âmbitos da palavra.

O mesmo serve para outros casais que se encaixam no perfil. A comunhão de Ishtar, deusa do céu e do sexo, com Tammuz, deus da colheita, era vista como garantia da fertilidade na natureza, gerando frutos nas colheitas e nos ventres das mulheres. Por esta razão, era celebrado o ritual do “Hieros Gamos”, na Assíria, em que o rei assumia a identidade de Tamuz e unia-se sexualmente com uma sacerdotisa tomada pelo espírito de Ishtar. Longe de imagens de pecado a serem censuradas, essas deidades carregam algo de muito valioso sobre a sacralidade do prazer carnal e sua vitalidade no mundo ao nosso redor.