Bruce Gomlevsky atua no cenário artístico há mais de vinte anos, sendo um nome já consagrado no “Olimpo” do Teatro, como ator, diretor e produtor. Isso já seria motivo suficiente para atrair a atenção da Vênus Digital, mas o foco desta edição é desvendar o homem por trás das “máscaras gregas”…

O que pensa, o que sente, o que anseia e o que teme o autor do cd “Eu me recuso a abandonar meu romantismo”?

Sim, Bruce compôs 12 canções de amor e fúria, com influência pop, rock e soul, durante o turbulento fim de seu casamento. “Tem uma música no disco, que eu até choro – Eu amo você.  Durante a gravação, no estúdio, eu estava bem destroçado, mas hoje em dia eu olho e rio, acho que é outra pessoa, é muito louco, você se cura das coisas”. Curado e sem abandonar o romantismo, Bruce transformou sua dor em música e fez nascer seu primeiro cd, que fala essencialmente sobre o amor.  As letras não escaparam de uma certa dramaturgia: a tal “jornada do herói” está bem presente no desenrolar das 12 faixas, com direito a abismos emocionais, superações e transformações pessoais. “Eu nem me considero um cantor, mas o importante foi expressar o que eu estava sentindo. Eu precisava fazer isso. A obra pra mim é sempre um veículo para expressar os nossos afetos, dissabores, dores e angústias, seja na música, seja no teatro, seja como ator, seja como diretor”, desabafa Bruce. E, nessa permanente e complexa manifestação de pensamentos e sentimentos, sua faceta ator tem se destacado especialmente em um grande número de interpretações dramáticas, com muitos prêmios conquistados em peças e filmes realizados ao longo de sua carreira.

Sempre atuando, produzindo e dirigindo textos em sua maioria densos e de grandes autores clássicos e contemporâneos, Bruce transita com paixão pela enigmática psique humana e nos ajuda a refletir sobre a nossa própria condição de existência, através das obras que escolhe encenar. Dentre seus trabalhos mais relevantes estão Uma Ilíada, Renato Russo, Cenas de um Casamento, Festa de Família, Deus Ex-Machina, A Morte do Caixeiro Viajante, Timon de Atenas, Romeu e Julieta, Blackbird, Avalanche, entre outros. Coragem, ousadia e talento não faltam para encarar autores difíceis como Shakespeare, Arthur Miller, Harold Pinter, Ingmar Bergman, Lars Norén, David Harrower e até Homero!  E para encarar o amor?

 

Vênus Digital  Depois de grandes desilusões amorosas, muitas pessoas ficam mais frias e racionais por medo de sofrerem novamente. Você passou por isso de alguma forma?

Bruce – Uma coisa que eu não sou é racional. Eu sou escorpião com escorpião e lua em peixes, eu sou todo água, completamente emocional apaixonado visceral em tudo o que eu faço. Entro de cabeça em tudo. Só me relaciono apaixonadamente com as coisas, com o meu trabalho, com os personagens que faço, com as peças que escolho dirigir ou produzir ou fazer. O mesmo na minha vida pessoal. Na verdade é uma linha muito tênue, as coisas se misturam muito, a vida pessoal e profissional, é tudo misturado.

 Vênus – Então encara mergulhar de cabeça no amor?

Bruce – Sim, eu quebro muito a cara, mas não saberia fazer de outra maneira. É aquela velha história do escorpião e da rã. Eu até prometi que eu não ia mais me apaixonar, sofrer, mas isso é inevitável. A gente não controla muito isso. O problema é que a gente cria muita coisa, inventa, mitifica, coloca as pessoas num pedestal, endeusa mesmo.

Vênus – E quando esse estado superior, esse “transe” que a paixão causa, acaba e deuses viram homens humanos e imperfeitos, você fica para um amor real?

Bruce – Isso é o que a gente busca: o amor real, verdadeiro.

Vênus – Ou é viciado em êxtase e paixão?

Bruce – Não. (Tosses) Não, eu não sou mais adolescente. Eu quero me identificar com o que a pessoa é, amar a pessoa pelo que ela é, pelos valores dela, pelo carinho, pela amizade, pelo amor. Isso é mais importante do que idealizar e criar alguém que não existe. Cansei disso. Estou com 42 anos, tenho dois filhos já adolescentes, chega uma hora em que a gente tem que amadurecer, virar homem. 

Vênus – O que mudou em você depois da separação?

Bruce – Eu estou mais pé no chão nesse sentido de não idealizar mais ninguém. Quero me relacionar com o que a pessoa é verdadeiramente.

Vênus – Dores e delícias de ser um romântico?

Bruce – Eu sou romântico mesmo, busco uma parceria pra vida inteira. Mas tá tão difícil. A gente vive num mundo líquido, de relações sem comprometimento. Eu acho que no fundo todo mundo quer encontrar um amor verdadeiro, mas não sei até que ponto as pessoas estão dispostas a lutar por isso e lidar com o dia a dia. É complicado se relacionar, dá trabalho.

Vênus – Recusar-se a abandonar o romantismo é um precioso ato de resistência neste mundo cada vez mais superficializado. Qual a sua opinião sobre este cenário atual, que parece não acolher o romantismo?

Bruce – Eu não gosto de fórmulas nem generalizações, é tudo muito mais complexo. Mas existe uma tendência maior ao individualismo, ao egocentrismo, uma tendência de cada vez se ter menos comprometimento nas relações. Não é aquele formato dos nossos avós, de casamentos que duravam 60 anos. A mulher era mais submissa ao homem, que era o provedor, o “chefe de família”. As mulheres estavam numa posição inferior, em sua maioria, então essa mentira, essa hipocrisia, sobrevivia mais. Hoje em dia as mulheres estão mais livres, mais independentes. Existe também outra maneira de ver o homossexualismo, a luta pelos direitos homossexuais, lgbt, as novas gerações são muito menos preconceituosas do que as dos nossos avós e pais. Existe uma permissividade maior. Mas, por outro lado, existe uma superficialização do mundo, em termos culturais, educacionais, políticos, sexuais. Então, é difícil se aprofundar hoje em dia. Acho que está tudo mais superficial.

Vênus – E essa nova mulher te assusta?

Bruce – Não, a única coisa que me assusta é avião, só isso. Mulher não me assusta de jeito nenhum.

Vênus – Você não se considera nem um pouco machista?

Bruce – Sou supermachista ( diz em tom de brincadeira).  Pelo menos as mulheres falam isso, “macho alfa”… A verdade é que as mulheres vivem nessa contradição, não sabem muito o que esperar do homem, reclamam se ele é machista, reclamam se ele não é macho.

Vênus – O que é fundamental numa relação?

Bruce – Parceria e amizade. Se colocar no lugar do outro, enxergar o outro, respeitar os limites e as necessidades do outro. Sem isso, não adianta. Não adianta competir dentro da relação. Competividade e egoísmo, não. A vida já é muito problemática. Se tem alguém pra encher o saco, Deus me livre, é melhor ficar sozinho

Vênus – Fidelidade é importante?

Bruce – Eu acho que a fidelidade não tem que ser uma obrigação. Tem que ser um sentimento. Se você quer ser fiel, se sente essa necessidade, seja. O importante é seguir seu coração.

Vênus – E se você se apaixonar por uma outra pessoa no meio do caminho. Isso é possível?

Bruce -Totalmente possível. Mas a vida é isso. A gente está suscetível a tudo.

Vênus – Você é ciumento?

Bruce – Hoje em dia eu não sou mais muito, não. Só quando a pessoa quer me provocar ciúme. Tem gente que quer provocar ciúme, fazer o outro ficar com ciúme, jogar com isso. Espontaneamente eu não sou ciumento. Eu sou ator e tenho que lidar com isso. Me relaciono com muita gente, faço cenas de amor com pessoas, beijo pessoas em cena. Como é que eu vou poder ter ciúme de alguém? 

Vênus – Quando beija essas pessoas ou quando está fazendo um trabalho onde vive uma relação muito íntima, você fica mais suscetível a sentir atração pela parceira de trabalho?

Bruce – É muito raro, porque no trabalho, numa cena de sexo, de amor, de beijo, eu sou muito profissional, não tem clima pra envolvimento. Claro que pode acontecer de você estar trabalhando com uma pessoa e se apaixonar, mas na verdade você vai resolver lá fora, não dentro do trabalho. É raro dentro do trabalho você sentir alguma coisa. Eu posso ficar nu encostado na atriz que está contracenando comigo, que não sinto nada. Meu foco não é esse. É profissional. Pra mim, é trabalho, tem luz em cima, tem gente olhando, não é o lugar disso.

Vênus – Seus textos, peças e músicas são sempre muito intensos. Sente necessidade de viver tudo intensamente?

Bruce – É, eu sou bastante intenso. Você viu “Demônios”? Eu resolvi fazer essa peça quando tinha acabado de me separar. Então comprei os direitos.  Fala disso também, dessa neurose, dessa doença.

Vênus – Você tem tesão por relações neuróticas?

Bruce – Não. Eu já vivi muito isso.Hoje em dia eu me divirto muito, porque estou completamente fora dessas neuroses. Eu já vivi muito isso, até esgotar. Estou cansado disso.

Vênus – Para uma relação durar, o que você acha que é necessário?

” Só consigo ficar numa relação quente, gostando da pessoa. Não consigo empurrar uma relação com a barriga, não faz parte da minha natureza. Pra durar, tem que estar acontecendo a parceria, o sexo, o afeto, a troca, o encontro. Eu não consigo ficar burocrático. Já senti que fizeram isso comigo, e é muito ruim. Você sente que a pessoa já não está mais tão interessada, mas não tem coragem de ir embora, dizer que não quer mais. Fica acostumado, acomodado. Uma coisa que eu não sou é acomodado”.

 

Vênus  Para Eros, enquanto existir mistério a ser desvendado, existirá vontade de permanecer na relação. Você pensa assim?

Bruce – Eu acho que você nunca conhece tudo da pessoa. Acho que o problema é ver a pessoa sob uma única ótica. A dificuldade é você se permitir abrir o seu olhar pra continuar desvendando a pessoa, e não rotular. Não ver a pessoa por um foco apenas. Porque todo mundo é múltiplo, mas temos máscaras que repetimos na relação ou na vida profissional ou com amigos e às vezes a gente fica sendo visto ou percebido por um rótulo especifico, quando na verdade somos muito mais do que isso, mas o outro só consegue ver a gente por aquele viés. É difícil abrir os olhos pra perceber quem a pessoa é. E é difícil se colocar no lugar do outro também. O ser humano é muito egoísta, muito egocêntrico.

Vênus – “Eu me Recuso a Abandonar meu Romantismo” é o seu único disco?

Bruce – Esse é o primeiro. Já tenho o segundo todo composto. Só falta ir pro estúdio gravar. Já estou com 15 músicas sobre o mesmo tema.

Vênus  Sobre um relacionamento que acabou?

Bruce – É uma rebarba daquela relação, e tem coisas de outras também. É o tema que eu tenho escrito: desilusão amorosa, dor de cotovelo, amor e ódio.

Vênus – É lindo e raro ver um homem compartilhando seus sentimentos como você fez no disco. Como lida com essa exposição da sua alma romântica?

Bruce – São muitos anos de análise, né? É uma exposição pra mim, esse show. O disco é uma confissão. Eu abri meu coração mesmo. Sofri muito na minha separação e meio que vomitei essas músicas, mas hoje eu canto e nem me lembro das pessoas que me inspiraram essas composições. Eu não sinto nada, não tem dor nenhuma, pelo contrário, é só diversão cantar essas músicas.

Vênus – Pessoas? Não foi para uma musa exclusiva, a da separação?

Bruce – Oitenta por cento do disco é para ela, mas outras músicas são para outras. Foram meios pelos quais as canções surgiram, mas hoje em dia não é para elas, é pro mundo na verdade.

Vênus – Foi casado por quanto tempo com a principal musa inspiradora do disco?

Bruce – Onze anos. Tenho dois filhos. O Nicholas, de treze, e a Valentina, de dez.

Vênus – Depois desse casamento, teve outro grande amor?

Bruce – Depois disso, eu comi 300 mulheres (risos).

Vênus – Quer que eu coloque isso na revista?

Bruce – Depois da separação eu sofri muito e vivi aquela famosa fase de putaria, depois fiquei mais exigente. E agora, de uns tempos pra cá, tive algumas namoradas. A gente passa por fases na vida, casamento, galinhagem, mas no fundo eu procuro uma alma gêmea, no fundo do meu coração eu quero ter uma pessoa pra ficar velho junto e pra viver pra sempre. Realmente não sei se é possível, o dia a dia é muito difícil, muito complicado, estressante, desgastante. Mas idealmente, utopicamente, eu busco isso.

Vênus – Seu disco é meio que uma jornada do herói: tá lá no fundo do poço, levanta, luta, enfrenta seus dragões, se supera, ressurge modificado e no final se abre pra vida de novo. Pensou nesse roteiro?

Bruce – É, tem uma dramaturgia. Eu pensei muito no encadeamento das músicas e na ordem das músicas. A última música é meio que um mantra “ame, dance e ria. É a música mais solar do disco, é a reviravolta, a redenção, de alguma maneira.

Vênus – E agora pode dar conselhos pra quem tem medo de viver um grande amor?

Bruce – Quem sou eu? Eu não posso dar conselho pra ninguém. Acho que a gente tem que seguir nosso coração, lutar pelos sonhos, lutar pelo que acredita. Sobretudo, ser sincero consigo mesmo. Não mentir pra si mesmo.

Vênus – Afinal, o que quer Bruce Gomlevsky?

” Eu quero ter saúde, quero ter paz, tranquilidade, equilíbrio, conseguir pagar minhas contas, vivendo de arte no Brasil, criar meus filhos com carinho, com amor, com saúde, quero mais paz no mundo, mais transparência, menos corrupção, mais amor, mais oportunidade pra todo mundo, mais educação, que é o que este país precisa. Cultura e educação “.

 


Ouça Bruce Gomlevsky

EU QUERIA TE PEDIR DESCULPAS (mp3)

SUA FRIEZA (mp3)


Fotos: Dalton Valerio

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