“O amor patológico é um transtorno dos impulsos, tanto quanto o jogo patológico, as compras compulsivas, a adição por Internet, a cleptomania, a tricotilomania, a piromania e muitos outros.”

O amor é abordado em versos, em imagens funcionais do cérebro, na mitologia, na ciência. O amor vai da razão às emoções mais perversas e, por sua amplitude e divergentes manifestações, a única certeza que podemos ter a respeito é que ele sempre nos fugirá do controle. Sim, o amor é indomável. Nietzsche acreditava que o amor passava a existir a partir do momento em que havia o desejo incondicional do bem estar do ser amado, quando as coisas mais perfeitas e maravilhosas existentes no mundo se assemelhavam ao ser amado. Portanto, podemos concluir que sentir o amor nietzscheano nos afasta do ser amado, por este distorcer a realidade e ser baseado em expectativas irreais e idealizações. Já Platão, em O Banquete, abordou outros tipos de amor. O amor autêntico – libertador, sublime, que conduz a alma ao banquete divino, e o amor possessivo – possuidor, devorador, que sufoca e limita. Kant retomou o conceito de amor tempos depois, e afirmou que o verdadeiro amor era o amor-ação – desinteressado em si e apenas preocupado com o bem estar do outro, mas também abordou o amor-paixão – egoísta e incontrolável, totalmente voltado a si próprio, onde a satisfação pessoal se sobressai à satisfação do ser amado, e o amor-virtude – fraterno e sereno, “ame ao próximo como a si mesmo”.

Dentro dessa ampla possibilidade de manifestações filosóficas sobre amor, vem o questionamento: o que ocorre fisiologicamente quando sentimos o amor? Se ele foge do controle e em certos casos da racionalidade, o que fazer quando se torna patológico?

Para abordar o assunto, convidamos o médico psiquiatra clínico, forense e psicanalista Dr. Marcos Gebara, para esclarecer nossas dúvidas.

 

Vênus.Digital: Pesquisas indicam que áreas do cérebro são ativadas quando estamos amando. A área do amor “normal” é distinta da área do amor patológico? Se sim, quais são elas?

Marcos Gebara: Atualmente já temos vários estudos, com neuroimagem funcional, que mostram, através de técnicas como a Ressonância Magnética Funcional de Ativação (RMf), a Tomografia por emissão de Pósitrons (PET) e a Tomografia Computadorizada por emissão de Fóton único (SPECT), as áreas do cérebro que são ativadas enquanto o indivíduo experimenta determinadas sensações.   Medindo metabolismo e fluxo, estas “ferramentas de pesquisa” podem “iluminar” as regiões envolvidas. No caso de uma vivência amorosa, uma das principais áreas “iluminadas” é a circuitária neuronal             dopaminérgica, que corresponde ao “sistema de recompensa e prazer”, envolvendo a Área Tegmental Ventral do Mesencéfalo, o Núcleo Accumbens e o Córtex Pré-Frontal. Outras áreas, como o Córtex cingulado anterior, Amígdala e Hipocampo, também estão relacionadas. No caso do amor patológico, onde o afeto passa a ter características obsessivas, escravizando o indivíduo e tornando-o disfuncional, além das já mencionadas, observamos a ativação de outras áreas dos Núcleos da Base, principalmente o Caudado e a Substantia Nigra Pars Compacta, também encontradiças no Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) e nas Dependências Químicas (DQ).

 

VÊNUS – Podemos dizer que o Amor é uma sensação química do nosso  organismo?

Gebara – Sim, uma vez que hormônios como Testosterona, Estrogênio, Progesterona e Cortisol, Neuropeptídeos como Oxitocina, Vasopressina, Beta-Endorfina e diversos Neurotransmissores como     Dopamina, Noradrenalina, Serotonina, Glutamato, GABA e outros estão envolvidos no processo.

 

VÊNUS – Do ponto de vista da psiquiatria, quando é que um amor pode ser considerado patológico? Quais são as suas características?

Gebara -O chamado Amor Patológico se enquadra nos Transtornos de Controle dos Impulsos, tratando-se de uma condição psicopatológica que inflinge ao padecente e à sua vítima extremo sofrimento, visto que “toma conta por completo de toda a energia psíquica, drenando todas as forças para esta ideação obsessiva, transformando a vida dos envolvidos num verdadeiro inferno”.

 

VÊNUS – O transtorno que caracteriza o amor patológico pode nascer de uma situação limite ou é mais comum que seja uma resposta às situações vivenciadas na infância do indivíduo?

Gebara – Como ocorre em qualquer doença de ordem psiquiátrica, o transtorno é um epifenômeno, resultante da soma de múltiplos endofenótipos anômalos (causados pela genética) com poderosos fatores estressores ambientais. Situações extremamente adversas vividas na infância funcionam como “agressões epigenéticas”, provocando “vulnerabilidades genotípicas” que influenciarão sobremodo o neurodesenvolvimento. Sob o stress violento de uma situação limite, o genótipo fragilizado pode não resistir ao “ataque”, havendo a eclosão da doença.

 

VÊNUS- Com base em pesquisa realizada pelo IPq (Instituto de Psiquiatria) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, o amor patológico não se caracteriza como transtorno psiquiátrico. Um paciente que procura ajuda na psiquiatria apresentando um quadro de obsessão por outra pessoa não é ainda visto como alguém com transtorno comportamental? O que caracteriza tal transtorno e que tipo de tratamento é usado?

Gebara – O Amor Patológico é um Transtorno dos Impulsos, tanto quanto o jogo patológico, compras compulsivas, adição por Internet, cleptomania, tricotilomania, piromania e muitos outros. Se um paciente chega ao consultório apresentando um grau de sofrimento que justifica sua busca por ajuda, merece tratamento. É mandatório que se faça um minucioso diagnóstico diferencial, no intuito de verificar se a sintomatologia não é parte de outro diagnóstico psicopatológico, como Transtorno Bipolar, Transtorno de Personalidade, TOC, Delírio de Ciúmes dos Alcoolistas etc. Depois disto, pode-se lançar mão de tratamento farmacológico com antidepressivos inibidores de recaptura de serotonina, neurolépticos atípicos e ansiolíticos. Os melhores resultados ocorrem com a associação da Farmacoterapia com a Psicoterapia. Também têm papel relevante os grupos de autoajuda como o DASA (Dependentes de Amor e Sexo Anônimos), o MADA (Mulheres que Amam Demais Anônimas), dirigido para as mulheres, posto que o transtorno é muito mais frequente no sexo feminino, e outros.


Foto: Mariana Quintão

Para saber mais sobre Dr. Marcos Gebara, acesse em marcosgebara.com.br

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