O nascer da aurora do ano de 2020 trouxe uma novidade assombrosa ao Monte Olimpo. Apolo, deus da doença e da cura, afogou o mundo em uma praga mortal. Humanos, ninfas, sátiros, monstros — e mesmo os deuses! — precisaram se proteger diante da nova ameaça. As ruas não eram mais seguras.

Em seu trono altivo, Zeus repreendeu seu filho. “Insolente!”, sua voz de trovão sacodiu a montanha onde viviam os imortais, mas nenhum deus podia desfazer as ações de outro. O rei dos céus não viu outra alternativa, senão o isolamento. Não desceu à Terra, não buscou o leito das tão amadas mortais nas relvas e castelos.

Hera, furiosa, quase arrancou a coroa de louros dos cabelos luminosos de Apolo. “Infeliz!”, bradou, “todos os casamentos foram adiados”. Não havia o que pudesse fazer, então em seu trono ficou, bebericando do néctar que a filha Hebe lhe trazia com humildade.

Atena e Ares mal conseguiam manter-se sãos. Quem travaria as guerras, se todos estavam em casa? Como os territórios seriam conquistados? Trancaram-se em seus palácios no céu, os olhos clamando pelo sangue que não seria derramado entre nós. Hefesto ficou satisfeito, pois dentro de suas casas, os mortais tornaram-se criativos para desenvolver novas técnicas e aprimorar suas tecnologias.

Hermes parecia o mais angustiado. Não poderia acessar suas tão amadas estradas, o comércio havia fechado, as trocas, as interações e a comunicação, que tão bem dominava, estavam temporariamente suspensos. Quase deu razão para os que se perguntavam ‘e a economia?’, mas reconheceu que os mortais que a colocavam acima de sua própria segurança não passavam de idiotas. E ele era o deus da inteligência, afinal!

Dioniso estava tão triste quanto ele — mas, nem tanto! Não havia festas, mas havia vinho. Os mortais afogavam-se no álcool, destruindo suas máscaras de racionalidade e falso equilíbrio. Dançavam, gozavam e desmanchavam-se em si mesmos, dentro de suas prisões-apartamentos.

Posídon não viu diferença. Até gostou! Os mares estavam mais limpos, as praias mais vazias. A toxicidade das águas reduziu exponencialmente. Pediu a Apolo: lance pragas como essa com mais frequência. Ártemis, senhora da vida selvagem e dos animais, também lhe deu razão.

Hades estava exausto! Todos os dias o número de mortos pela praga de Apolo dobravam, triplicavam! Não aguentava mais ver seu reino tão cheio de mortos insepultos, cujas almas vagavam vazias pelas margens do Estige. Tantos corpos violados. Tantas almas sem descanso.

Afrodite chorava de vez em vez. Poucas uniões em seu nome, pouco se falava em beleza… Contudo, seu rosto se iluminava sempre que um netinho fazia vídeo conferência com a vovó; “não te vejo para te proteger”, era a frase que mais agradava à deusa. E embora os namorados estivessem distantes, nunca houveram tantas declarações e cartas de amor a serem trocadas. As mães ligavam constantemente para os filhos que moravam em outro país. Os animais domésticos eram mais abraçados e beijados. Os vizinhos sorriam uns pros outros, de suas janelas.

A deusa percebeu que havia amor no mundo, mesmo que a fúria de Apolo fosse dura, mesmo que as fronteiras fossem mais distantes. Apesar das lágrimas manchando o rosto perfeito, ela sorriu para a humanidade e lançou um abraço morno para seus corações. “Vai passar”, sussurrou-nos, “aguentem firme”.