Você sabia que o costume das recém-esposas entrarem no quarto na noite de núpcias carregadas pelo marido, é uma antiga tradição provinda da Grécia? Um pouco diferente, porém! Durante o segundo ato do matrimônio denominado pompé ― “ação de conduzir”, no grego ― a noiva é perseguida pelo noivo em uma procissão alegre. Ela deve ser tomada à força e carregada nos braços até dentro da nova casa, sem jamais colocar os pés na soleira da porta, pois precisa antes ser apresentada ao fogo do lar.

A idéia do “rapto” como metáfora para a união matrimonial não é incomum na cultura ocidental. A epopéia mais famosa da História tem como causa um sequestro dessa natureza. Helena de Tróia, tomada pelo “feitiço de Afrodite”, foi levada pelo príncipe Páris de sua terra natal, deixando marido e filha para trás para casar-se com ele.

Alguns momentos importantes na Ilíada mostraram que Helena não tinha escolha quanto ao que lhe acontecia, bem como as noivas naquela época não tinham quanto aos casamentos que lhe eram arranjados. Mais do que isso, a associação do rapto a uma consumação amorosa, na psique do indivíduo ocidental, parece constante.

Io, Europa, Medéia, Dafne… Todas foram moças perseguidas ou raptadas, e cujo sequestro mítico resultou numa união sexual ou matrimonial com deuses e heróis. No entanto, algo que gostaria de chamar a atenção nos mitos ― não somente os gregos ― é como as deusas das águas são resistentes à essa característica cultural.

Tétis, filha do velho Nereu do Mar, era uma divindade aquática, bela como o brilho de uma pérola. Zeus estava fissurado na nereida, até que um oráculo o advertiu dos perigos de desposá-la. Caso o fizesse, o filho gerado da união seria forte o suficiente para dar fim ao reinado do Senhor dos Céus, como ele mesmo fizera com o pai, Cronos.

Assustado com a possibilidade, Zeus tratou logo de casar Tétis com um mortal. O escolhido foi Peleu, rei da Ftia, um homenzinho pouco interessante que desagradou completamente a deusa. Para tê-la, porém, ele não fez diferente do que diz a tradição: perseguiu-a por todos os cantos da Terra. Deusa marinha, Tétis possuía habilidades de metamorfose, e sempre que seu pretendente chegava perto, transformava-se em água do mar.

Depois de aprender como poderia segurá-la de vez, Peleu foi vitorioso em seu rapto e os dois se casaram. O casamento também é um dos mais famosos da mitologia e o filho mais novo da união é ninguém menos que o herói Aquiles, no entanto, o relacionamento durou pouco tempo e Tétis fugiu de novo para o mar. Dessa vez, para sempre.

É assustadoramente semelhante ao mito da fuga de Iemanjá, senhora do mar para os antigos yorubás. Como narra a história, a deusa já tinha dez filhos quando aceitou casar-se com Oquerê, rei de Xaci. Ela só tinha uma condição, antes que fizessem os votos sagrados um para o outro: ele jamais deveria insultar seus fartos seios, que tantas crianças haviam alimentado. Esse era seu euó ― “tabu” para os yorubás.

Certa vez, Oquerê chegou embriagado de uma festa e vomitou todo o chão da casa. Iemanjá queixou-se de sua atitude e, irado, o marido conjurou vários insultos a seus seios. Quebrado o tabu da união, a deusa fugiu para nunca mais voltar. O esposo fora atrás dela, numa perseguição que parecia sem fim.

Iemanjá transformou-se em rio, para que Oquerê jamais pudesse segurá-la. Ele, por sua vez, transformou-se em Oquê, a montanha, de forma que a passagem da esposa para o oceano fosse bloqueada para sempre. Fluida, no entanto, a deusa-rio contornou a grande montanha e voltou para sua casa, no mar.

É curioso como a água, símbolo mitológico das forças do inconsciente, possui a marcante característica de dar ao feminino capacidade de contornar os raptos e matrimônios que, desde a ascensão do patriarcado, não são livres escolhas. Como deusas-mãe ancestrais, sua fluidez tem muito a nos ensinar sobre como ser flexível, mas também persistente sobre nossos destinos.