Uma relação amorosa traz todo tipo de dor e delícia. Receber carinho e afeto é tão maravilhoso quanto é difícil superar e conviver com as diferenças. O fato de que qualquer relação amorosa apresentará desafios e que os conflitos são inevitáveis não é novidade para qualquer pessoa que já tenha certa estrada nos caminhos tortuosos do amor. Cada um traz consigo qualidades e defeitos, seu positivo e negativo, e no encontro desses dois universos que são duas pessoas com o desejo de conviver e se amar, vamos equilibrando os altos e baixos. Assim é.

Entretanto, em alguns momentos não tão raros podemos nos surpreender com uma reação do parceiro que nos parece exagerada em uma determinada situação. Frente à reação desproporcional de um, o outro pode reagir de maneira também inflamada e as chances de ter início uma discussão aflita e angustiante são grandes. Isso acontece porque quase nunca compreendemos que as reações exageradas do parceiro – e também as nossas, diga-se de passagem – são na verdade manifestações distorcidas de feridas passadas.

                Quase todos nós vivemos grandes dificuldades no passado para as quais não tínhamos ainda bem desenvolvidas as capacidades de lidar e compreender. São feridas geralmente da infância, mas nosso Inconsciente é lento para perceber que a situação no mundo externo não é mais a mesma e rápida em confundir uma pessoa com outra. Basta que a situação atual apresente certa semelhança com a situação traumática do passado que nosso Inconsciente relaciona as duas situações e podemos acabar reagindo motivados pelo que chamamos de transferência.

                Como essas forças estão inconscientes, o sujeito não se dá conta de que está reagindo com exagero devido à semelhança de algum aspecto da situação presente com uma situação do passado. O sujeito se depara com algo no presente que faz emergir um afeto passado, um trauma, causando uma reação exagerada que, no fundo, nada tem a ver com o parceiro em si ou a situação atual. O ideal seria que fosse possível parar o tempo e transportar nosso parceiro para o momento e lugar exatos onde teve início a defesa neurótica que estamos transferindo. Assim, ele poderia ver a casa caótica, os pais pouco confiáveis, a mãe que só dava atenção ao mais velho etc. e poderia sentir empatia frente à nossa reação exagerada com uma peça de roupa no chão, uma omissão inocente ou o cancelamento de um programa.

Todos nós trazemos marcas de situações difíceis com as quais tivemos que lidar sem saber como fazê-lo. A maturidade nos traz a possibilidade de aceitar que podemos sempre nos ver transferindo esses conteúdos mal resolvidos para situações atuais e, no caso da relação amorosa, para nosso parceiro. Essa consciência abre a possibilidade de nos comprometermos com uma atenção constante às possíveis transferências que fazemos de modo a não magoar quem está ao nosso lado. E vice versa – essa consciência torna-nos também mais empáticos frente às transferências do nosso parceiro. As transferências são inevitáveis, então um bom exercício de crescimento e humildade é aceitar esse fenômeno e observar as reações exageradas com bastante cautela, de modo que possamos ampliar nossa capacidade de avaliar as situações e agir de maneira mais objetiva e justa com o outro e consigo próprio. Afinal, o passado já passou. Não são aqueles pais pouco confiáveis, bagunceiros ou que só davam atenção ao mais velho do passado que estão à sua frente.

Neste exato momento, à sua frente, quem está aí é o seu parceiro, seu escolhido – é o seu amor.

Cuide bem dele.

foto:  Matthew Fassnacht