Tentar sentir amor é o mesmo que tentar ser natural. O amor apenas acontece, ou não. É como sentir uma música e não somente ouvi-la, ou sentir a natureza e não apenas observá-la. Não podemos forçar a existência de uma conexão natural, e não é saudável reprimir quando ela acontece. A emoção impedida de representação como palavra na consciência, vai para o inconsciente e gera sintomas neuróticos. Quando permitimos que pensamentos percorram nossa mente sem ”ter que” necessariamente acreditar neles, e se possível falarmos sobre eles, prevenimos e tratamos sintomas. Idealmente, podemos desenvolver a capacidade de não reprimir excessivamente as emoções e os sentimentos, mas conter os atos que façam algum mal desnecessário a nós mesmos e a outras pessoas.

Quando o amor brota sem tentativas, pode ser praticado e cultivado em suas principais formas: fraterno, materno, paterno, amor próprio e erótico.

O amor fraterno é o amor à humanidade representado em pessoas reais, é a base para o desenvolvimento e prática de qualquer outro tipo de amor. O nosso grau de intimidade pode influenciar, ainda que possamos sentir e praticar o amor fraternal com uma pessoa desconhecida. O “masculino” e o “feminino” estão presentes no homem e na mulher, ainda que na maioria dos casos o homem tenha maior prevalência do masculino e a mulher do feminino. Porém, não há regra, nem correspondência com orientação sexual e gênero, que não são escolhidos. O papel materno e paterno pode ser representado por diferentes gêneros, gays e trans.

Na infância percebíamos tudo como sendo nós, para nós e o outro existindo no máximo como uma extensão de nós mesmos. Essa separação é minimizada na ligação com a natureza, brinquedos e fantasias. Quando nos damos conta da realidade – vida e morte – a separação inconscientemente nos traz sentimentos de desamparo, medo, culpa, ansiedade, angústia e vergonha. Se essa relação não foi saudável, por excesso ou falta de amparo quando éramos bebês, e durante a infância até uns 10 a 11 anos de idade, o estado narcísico se perpetua ao longo da vida e amplifica o sofrimento inerente à existência. O amor natural e saudável é ligação, a melhor forma de nos afastarmos das consequências da separação. Infelizmente, a maior parte de nós tende a buscar fugas da separação, conscientemente ou não. Excessos de álcool, drogas, trabalho, redes sociais, viagens, apenas relações rasas, somente relações profundas de dependência, isolamento, futilidades, autoajuda, compulsões e fanatismos em geral. Porém, a natureza sempre volta a galopes.

Quando expulsamos pensamentos “negativos” ou “positivos” da consciência (prefiro chamá-los de desprazerosos e prazerosos), tentamos incorporar de fora para dentro o que ‘temos ou não temos que” sentir. Estimulamos repressão, sintomas e baixo potencial para amar e praticar o amor saudável. A empatia vendida pela autoajuda como “se colocar no lugar do outro” é nitidamente egoísta e simplista. É impossível nos colocarmos no lugar de alguém sendo a outra pessoa, no máximo podemos imaginar como nosso EU se sentiria naquela situação. Empatia é “sentir com”, acolhimento com escuta não julgadora disponível. Podemos desenvolve-la mais, menos, ou não, com continua aquisição de informações e autoconhecimento, num processo interminável e aberto, de dentro para fora, em contato com o que quer que sejamos.

O amor saudável existe quando somos dois “eus” individuais, sentindo vontade de nos darmos um ao outro, por prazer. Desejamos o crescimento do outro sem querer nada em troca de forma objetiva. Inesperadamente ocorre a reciprocidade sentimental, que acarreta em ações. Para a prática do sentimento que parte do nosso processo de autoconhecimento – constante e aberto – é necessário também responsabilidade, comunicação saudável, cuidado com o outro e aos poucos conhecer a pessoa amada. Com o tempo, muitas vezes, podemos percebê-la até mesmo por expressões faciais, corporais e intuição. Nem sempre palavras são possíveis ou necessárias.

Em todas as relações humanas há disputa de poder em algum nível. Em alguma medida movimenta hierarquias necessárias, impulsiona, estimula, apimenta relações eróticas, sedução e fantasias. É comum cairmos nas armadilhas do nosso próprio ego (prefiro utilizar EU), nesse caso, comumente narcísico e/ou neurótico. Ferramentas que são úteis para integrar e gerar paz podem servir para disputar poder apenas pelo poder, o que demonstra impotência para amar. Quando percebemos um momento de irracionalidade na pessoa amada é possível relevar ou afastar. Ninguém é livre de estar idiota num determinado momento.

Falei aqui sobre recursos para construirmos relações mais saudáveis e referenciais para pensarmos em formas de aproximação e afastamento. Sobre tudo isso, tenho no máximo algumas certezas abertas a novas ideias que por ventura venham a me convencer.

Sugestões para refletir:

Moojji: “Não tentes amar toda a gente.” https://www.youtube.com/watch?v=a3K2KNUX5yU

Livro: “A arte de amar.” Erich Fromm

Livro: “A Nova Conversa”(Loganálise). Luis Cesar Ebraico  https://www.amazon.com.br/s?k=a+nova+conversa+luis+cesar+ebraico&__mk_pt_BR=%C3%85M%C3%85%C5%BD%C3%95%C3%91&ref=nb_sb_noss


Foto: Joan Carol PHOTOGRAPHY