O espírito do guerreiro luta com a natureza para proteger aqueles que ama e a alma da deusa carrega a sensibilidade para compreender e lidar com os mistérios da vida, de maneira sábia. Juntos, o guerreiro e a deusa harmonizam a existência humana.

Dentro de cada um de nós habita o vigor do guerreiro e a sabedoria da deusa. A incompreensão de tais manifestações, que desejam ganhar expressão diariamente, geram conflitos que debilitam e paralisam o indivíduo frente à complexidade da vida.

A ascensão dos arquétipos da deusa está ligada ao Sagrado Feminino, que em síntese, representa o resgate de uma consciência antiga, de retorno à energia feminina e a uma sabedoria ancestral que possibilita reconectar-se à natureza. É de certa forma, a retomada da posição de valor da sensibilidade feminina adormecida, em um contexto social, psicológico, religioso e cultural.

Foto Karen Cantu

Neste sentido, o Sagrado Feminino é um movimento voltado para dentro, para o autoconhecimento e o empoderamento interno. O feminino se alinha com os arquétipos da deusa, com a Grande Mãe, e aprende a reconhecer o seu poder sexual, intuitivo e instintivo. Através da dança, por exemplo, o feminino começa a compreender e aceitar seu próprio corpo e sua expressividade natural.

O Sagrado Feminino lida justamente com um aspecto superior da feminilidade e eventualmente é mal compreendido.

Muitos imaginam que para a ascensão do feminino seja necessária a exclusão do masculino. Mas não é bem assim: trata-se na verdade de um despertar de consciência de ambos e do apaziguamento das forças que não são opostas, e sim complementares. Sob esse ponto de vista, o Feminismo, que está intimamente ligado ao resgate do Sagrado Feminino, poderia também ser visto como um movimento externo e social que visa promover mudanças concretas na estrutura social para estabelecer o respeito entre os sexos e a igualdade de direitos da mulher frente à sua convivência com os homens. Além de trazer a luta social pela igualdade de direitos, reformula também diversos padrões impostos pela cultura, religião e tradição, de maneira geral.

Foto Alex Wigan

A conexão, cura e integração do masculino é outro aspecto do Sagrado Feminino. O masculino existe dentro do feminino, assim como o feminino reside dentro do masculino, e é importante aceitar a essência dualista da existência humana. Ao invés de criar uma luta contra o masculino, gerando mais conflitos, o Sagrado Feminino visa integrar essa energia, de modo a permitir que ambos os gêneros cooperem no seu melhor, compreendendo que desta forma podem se aproximar de um estado de completude natural.

Na Antiguidade, o Sagrado Masculino estava fortemente ligado ao espírito do guerreiro. Sob este ponto de vista, tal espírito reside tanto nos homens quanto nas mulheres. Todos nós somos, independente de gênero, absolutamente capazes de lutar pelo que acreditamos, com todas nossas forças, de modo justo e corajoso. A concepção do Sagrado Masculino busca auxiliar o reencontro do guerreiro dentro de si e fazer bom uso de sua natureza masculina, conciliando-a com o Sagrado Feminino interior, de forma consciente. 

Apesar da origem pagã, tendo incentivado historicamente as crenças politeístas (em especial entre os povos celtas e indígenas), seus fundamentos adaptam-se às mudanças dos tempos e, nos dias de hoje, estão mesclados a diversas práticas e linhas de pensamento. Muito do que se diz a respeito de “ser homem” está vinculado a dogmas herdados da cultura. No entanto, a masculinidade, e em especial a evolução do pensamento crítico a respeito dela, está ligada essencialmente à natureza e ao espírito. Em outras palavras, o Sagrado Masculino traz à luz a ideia de um verdadeiro “ser homem”, que não tem nada a ver com religião ou papel social, e sim com a relação mais simples e primitiva do ser, e está voltado para a harmonia e a maturidade interna.

O masculino desperto é aquele que, com muita coragem, conseguiu resgatar a essência do feminino sagrado dentro de si e por isso consegue honrar e proteger o feminino que se manifesta fora, na forma de mulher e de natureza. Mesmo estimulados pela mídia, com exposição sensualizada dos corpos femininos em propagandas, novelas e filmes, por exemplo, o masculino desperto enxerga além da forma e escolhe a sua parceira pelo gosto, pelo cheiro, pelo ritmo e pela conexão.

Desenvolvido na sua percepção de si, é capaz de entrar em contato com as próprias emoções, de externalizar o que sente e de perceber os outros com sensibilidade. Infelizmente, os valores do masculino foram se perdendo e modificando-se ao longo da História, e sobretudo após a revolução industrial, quando o crescimento das funções burocráticas e administrativas e o trabalho nas fábricas afastou os pais de seus filhos homens, removendo assim o aprendizado intuitivo natural.

Quando o masculino luta para ser grande de espírito, grande de alma e grande de coração, o mundo consequentemente se torna um lugar melhor. Mas como despertar o espírito do guerreiro e elevar o masculino interior? O guerreiro é o que cai e tem suficiente força para levantar-se e seguir lutando. O guerreiro é aquele que está consciente das consequências de seus atos, e busca, na medida do possível, não propagar o sofrimento àqueles que não merecem. O guerreiro não teme o poder do feminino, ele aprende a conviver com humildade.

O feminino exalta o masculino e o pressente através da intuição. Trata-se daquele que toca o coração com palavras doces, sinceras, amigas. Aquele que chega até a alma, através do amor que transborda em ternura, afeto, simplicidade. O masculino guerreiro é aquele com quem se pode passar horas e horas conversando tão gostosamente, que o tempo voa, porque nele coração e alma estão preenchidos com sinceridade. Mantém o seu modo de pensar independentemente da opinião pública.

É tranquilo, calmo, paciente, não grita nem se desespera. Pensa com clareza, fala com inteligência, vive com simplicidade. É do futuro, e não do passado. Sempre tem tempo. Não despreza nenhum ser vivo. Não é vaidoso. Como não anda à cata de aplausos, jamais se ofende. Possui sempre mais do que julga merecer. Está sempre disposto a aprender, mesmo com as crianças. Vive dentro de seu próprio isolamento espiritual, onde não chegam nem o louvor nem a censura. Não obstante, seu isolamento não é frio: ama, sofre, pensa, compreende. Importa-se apenas com o que as pessoas são por dentro, e não por fora. Não respeita usos estabelecidos e venerados por espíritos tacanhos. Respeita somente a verdade, e a busca acima de tudo, seja ela o que for. Tem a mente de adulto e coração de criança. O guerreiro é aquele que, com os olhos fitos num ideal, coloca toda a sua vontade e toda a sua ação ao serviço da grandeza humana. Na prossecução dos fins e normas a que se impôs, é duro e rijo consigo mesmo. Não se detém em dores, fadigas e privações. Renunciou a toda felicidade, repouso e prazer para a sua pessoa. Sem esse domínio sobre si mesmo, não existe verdadeira grandeza humana.

Na era em que vivemos, ocorrerão grandes mudanças sociais e econômicas. À frente da grande revolução que está em trânsito, encontram-se o guerreiro e a deusa de mãos dadas, interiormente. É possível e provável que o futuro não seja a mesma sucessão de erros do passado e que daqui em diante a humanidade caminhe para o progresso com o masculino e o feminino alinhados de forma harmoniosa.


Joel Ramos: Formado em engenharia eletrônica com mestrado em engenharia eletrônica na área de inteligência artificial e consciência de máquina. Pesquisa sobre relacionamentos e sobre a natureza humana há aproximadamente 10 anos. Sua busca está voltada para a compreensão do que nos torna humanos, e de como nós podemos nos elevar em consciência para realizar conexões mais intensas e sustentáveis.