Depois da primeira fase de apaixonamento, aquela fase oceânica durante a qual a paixão nos domina e ainda não vemos os defeitos do outro,  a realidade vai se apresentando gradualmente e vamos percebendo o óbvio: não, o outro não é perfeito. O outro tem sim, apesar de todas as qualidades, a sua parcela de defeitos. Enfim, percebemos que o outro é humano, com seu positivo e seu negativo, assim como eu e você caro(a) leitor(a).

                Sem dúvida, relacionar-se é o grande desafio da existência humana. Aqui vamos nos ater ao desafio de se relacionar com o outro, com a ressalva do alerta que relacionar-se consigo próprio também constitui um grande desafio. Como nos relacionamos com o outro após a fase da paixão, quando o outro deixa de ser “perfeito” e passa a ser real?

Muitas pessoas caem no erro de tentar fazer o outro mudar para “caber no seu sonho”, como dizia Cazuza, e o poeta tinha razão, esses são os que “não sabem amar”.  Os que sabem amar, sabem que é necessário conviver com os defeitos e o negativo do outro, que todos nós somos uma amálgama de luz e sombra, e tudo bem. Entretanto, nossa natureza humana abre sempre espaço e oportunidades de crescimento, e creio que a maioria de nós busca e abraça esses espaços. Acredito que nossos amores são nossos maiores mestres; é amando que conseguimos muitas vezes ser melhores, tanto para nós mesmos quanto para o outro. O amor bom é aquele que consegue fazer florescer o melhor de nós mesmos e do outro.

Estabelecer uma comunicação clara, expressar nossas necessidades e angústias possibilita uma escuta empática quando o outro está aberto para isso – e vice versa. Aprendemos aos poucos como o outro é, do que ele(a) precisa e o amor nos motiva a ir a esse encontro. Em muitas situações, se nossa humildade assim permitir, nos daremos conta que podemos fazer algo de uma maneira melhor, ou pelo menos de uma maneira diferente, de modo a proteger a relação e evitar magoar o(a) parceiro(a). E assim, estabelecendo novos contratos, de maneira constante, vamos construindo bons relacionamos amorosos de longo prazo.

Mas nem sempre é assim, ou pelo menos, não é assim em todas as situações. O outro, como nós mesmos, tem seus limites e algumas características podem não estar abertas à negociação. Às vezes, mesmo conseguindo expressar claramente nossas necessidades e estabelecendo uma comunicação clara, o outro não está disposto a mudar, e isso pode se dar por inúmeros motivos, seja porque o outro não concorda com a necessidade de mudança, seja porque não conseguiu um nível de empatia suficiente para compreender a importância da mudança para nós.

Gostaria de enumerar três coisas que considero muito importantes compreender: 1) as pessoas são coerentes. 2)  um processo de mudança demanda muita determinação e força de vontade. 3) a mudança é motivada internamente. Ou seja, não espere que o outro se comporte diferente a menos que haja um comprometimento real de sua parte em se esforçar para agir de outro modo. Mesmo quando nos comprometemos em realizar alguma mudança interna, pode ser necessário algum tempo para conseguir realizar essa mudança. Porém, quando não ocorre esse comprometimento, não há chance do resultado ser diferente. O outro não muda porque queremos que ele mude.

O outro só muda se ele quiser muito mudar.

Foto: Melina – Photographer – Vienna.