Parece evidente que todos nós desempenhamos múltiplos papeis. Quando estamos com nossa mãe, somos o/a filho/a, quando estamos com a avó, somos o/a neto/a, quando estamos com os filhos, somos mãe/pai, no trabalho desempenhamos o papel da profissão que escolhemos, e assim por diante.

Entretanto, não é incomum que os papéis se misturem causando algumas disfuncionalidades nas relações. Podemos citar como exemplo mais óbvio as dinâmicas que se instalam quando a mulher exerce o papel de mãe do homem. Neste caso, estamos falando de relações heterossexuais, embora isso também possa ocorrer em relações homoafetivas, creio ser mais comum entre homens e mulheres por questões socioculturais. O cuidado sempre foi associado ao papel feminino e pode ser bastante confortável para os homens ter alguém sempre ali cuidando dele. Quantas vezes já não ouvimos uma mulher reclamar: “não sou mãe dele!”. E é verdade, na relação amorosa, idealmente estabelecemos uma relação de parceria, com cuidado e ajuda mútuos, onde cada um se sente amparado mantendo sua independência. Felizmente cada vez mais mães educam seus filhos no sentido da independência e cada vez menos mulheres aceitam esse lugar de mãe que alguns homens maduros podem tentar coloca-las. Isso sem dúvida ajuda a fortalecer o papel da mulher e do homem como parceiros na relação amorosa, o que beneficia muito a relação.

Também por razões socioculturais, não é incomum que o homem desempenhe o papel de pai da mulher. Apesar das conquistas e do avanço feminista, muitas mulheres ainda esperam que o homem cumpra com as obrigações e necessidades financeiras da casa e do casal. Os homens, por outro lado, estão aceitando cada vez menos esse tipo de obrigação, e muitos casais enfrentam problemas na relação por esse motivo.

Mas há também outras situações onde os papeis podem se misturar e confundir, causando problemas no relacionamento, e isso pode acontecer sem que a gente se dê conta. Tomemos como exemplo um casal que tem um desentendimento e os dois ficam provocando um ao outro, ao invés de conversar aberta e maduramente sobre suas necessidades e expectativas em relação ao outro. Um vai e alfineta o outro, ao que o outro responde prontamente com outra alfinetada e assim continuamente criando um ciclo infindável de provocações mútuas. Quais são os papéis que cada um está desempenhando nessa situação? Não estão desempenhando seus papéis de parceiros amorosos, mas sim de irmãos. Estabelece-se aí uma dinâmica fraterna e nós sabemos o quanto irmãos podem brigar entre si sem qualquer motivo aparentemente significativo. Quando transpomos esse cenário para a relação amorosa, fica evidente o quanto esse tipo de dinâmica fraterna entre um casal pode ser prejudicial.

Assim, fica um convite para questionar continuamente qual é o papel que você está desempenhando na relação amorosa. Será que estou sendo mãe dele? Será que estou sendo pai dela? Será que estamos agindo como irmãos? Esse questionamento pode trazer consciência a uma dinâmica até então despercebida e possibilitar o ajuste dos papeis, por meio de um esforço consciente para voltar ao papel devido de parceria, que por definição significa um arranjo em que as partes estabelecem um acordo de cooperação para atingir interesses comuns.

Parceria, cooperação, interesses comuns – é com esses nortes que vocês estão se relacionando?


foto: Nikita Belov