Um dos grandes problemas da existência é superar o fim das coisas. O fim da vida, o fim de
um dia especial, o fim de um encontro com alguém que não vemos há muito tempo. Às vezes
passamos meses ou anos planejando uma viagem, e quando nos damos conta a viagem já passou. E
quem nunca experimentou a sensação de estar diante de um filme, de um show de música ou de
uma peça de teatro, que quando chega ao final nos faz pensar: que pena que terminou. Sem contar
na saudade que cada um tem de determinada época da vida, da infância guardada nas prateleiras de
nosso cérebro, do sabor do doce de leite que a avó sabia fazer.
Conviver com o finito, com a não perenidade da vida, com a passagem do tempo é assunto tratado
desde os primórdios da humanidade. Na mitologia grega existe o mito de Cronos (tempo), filho da
Terra (Gaia) e do Céu (Uranos), da era dos Titãs, que, como conta a lenda, mutila o seu pai ficando
com o trono do universo. Este personagem devora os próprios filhos à medida que nascem, pois
segundo o oráculo havia lhe dito, um de seus filhos roubaria o seu trono. Pois bem, o filho que lhe
rouba o trono é Zeus, deus, imortal, que vem a se tornar a mais importante divindade grega,
relacionando-se inclusive com os mortais (seres humanos). Se pensarmos que a passagem do tempo
nos dá a alegria e a tira no instante seguinte, ou também faz com que não haja mal que seja eterno,
podemos sentir este processo ininterrupto de, gerar e matar os filhos que o tempo faz. E Zeus, onde
entra nessa história? Gosto sempre de pensar que Zeus é a cultura, a arte, a história que cada ser
humano transmite para a geração seguinte, vencendo o tempo, e devolvendo ao mundo, à existência,
ainda que na memória, o que há de vivo na experiência do passado. Na mitologia Zeus faz seu pai
vomitar os seus irmãos devorados. Esses irmãos transformados estão apenas na essência do que
eram, posto que foram digeridos pelo estômago do Titã. E não é justamente isso que é a lembrança?
Uma conservação do que é fundamental da experiência vivida?
Nada é mais alentador do que saber que existe um passado que nos é transmitido de geração em
geração, e que, embora como mortais tenhamos fim, existe algo que podemos construir para deixar
na memória dos novos filhos do tempo.
Viver a vida plena em realizações, sabendo que o que fazemos morre e ressuscita em forma de
história, de memória, de cultura, de sabedoria, ameniza o mal-estar diante do finito e nos inspira a
deixarmos como legado para o futuro sempre o melhor de nós.


Evandro Nicolau é Artista, Curador e professor de artes. É doutorando no Programa Interunidades em Estética e História da Arte da Universidade de São Paulo com a pesquisa Desenhos da Paisagem: percepção, memória e imaginação. É Mestre pelo mesmo programa com o trabalho DESENHAR, pensamento, expressão e linguagem (2010). Foi Chefe da Divisão técnico Científica de Educação e Arte do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo entre 2010 e 2015, atuando atualmente como Educador. Professor em nível de graduação no Bacharelado em Ciências do Trabalho na Escola DIEESE de Ciências do Trabalho. Em 2012 lançou pela Editora Com Arte o livro A Filosofia pelo Desenho ou um livro sem citações. Possuí graduação em Licenciatura Plena em Educação Artística pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2003). Tem experiência na área de artes, com ênfase em educação artística, curadoria de exposições e produção cultural, atuando principalmente nos seguintes temas: desenho, educação em museus, interdisciplinaridade, mídia, novas tecnologias, educação e artes. Mantém um trabalho artístico nas áreas de artes visuais, música, audiovisual e literatura. Produz e faz curadoria de exposições, além de escrever e publicar ensaios teóricos sobre arte visual contemporânea

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Foto Yun Xu